domingo, 11 de janeiro de 2009

QUANDO O ATAQUE ISRAELITA REVELA OS SEUS LIMITES

Cumprida a segunda semana da ofensiva israelita à Faixa de Gaza, ultrapassadas as oito centenas de mortos e os três milhares de feridos, e enquanto a comunidade internacional se continua a afadigar na busca de mais um pseudo acordo de cessar-fogo, a população palestiniana continua a sofrer o que a própria ONU já classificou com uma verdadeira crise humanitária.

Sujeita a um rígido bloqueio militar que se arrasta há 18 longos meses, o minúsculo território designado por Faixa de Gaza alberga nos seus escassos 360 km2 cerca de um milhão e meio de habitantes (o que o transforma numa das áreas do planeta mais densamente povoadas) que além das óbvias carências de bens de primeira necessidade se confronta agora com uma quase total inexistência de condições de assistência aos milhares de feridos.

Embora a responsabilidade por esta verdadeira catástrofe possa ser remontada a 1948 e à criação do estado de Israel, as causas próximas têm que ser repartidas entre os grupos palestinianos do Hamas e da Fatah[1], envolvidos numa luta fratricida pelo poder nos territórios palestinianos, a irresponsabilidade dos políticos israelitas que usam as acções militares como método de campanha eleitoral interna e a hipocrisia dos responsáveis americanos, europeus e árabes que de uma forma ou outra pouco ou nada têm feito para concertarem uma estratégia de apoio à causa palestiniana e em contraposição à manifesta posição pró-israelita assumida pelos primeiros

Parecendo ter aprendido a lição da invasão em 2006 do Líbano, os dirigentes israelitas escolheram um “timing” quase perfeito[2] para o lançamento da ofensiva – pormenor que reduz substancialmente a argumentação de que esta ocorreu em resposta aos sucessivos lançamentos de “rockets” palestinianos sobre o seu território, os quais apenas se intensificaram após meados de Dezembro e da não renovação pelo Hamas da trégua que vigorava – e estão a fazê-la acompanhar de um quase absoluto bloqueio informativo. Alegando razões de segurança mantém-se a proibição de entrada de jornalistas ocidentais na Faixa de Gaza, facto que origina o controlo total da informação disponível. Salvo uma ou outra cadeia árabe (com especial destaque para a Al Jazeera) que ainda vai conseguindo difundir alguma escassa informação, tudo tem sido sujeito ao apertado controlo israelita.

Sabendo-se quão importante é nos tempos actuais o peso da informação e até onde pode chegar o efeito das notícias das frentes de guerra, esta é uma importante vantagem de que os israelitas parecem não querer abdicar. Mesmo assim, esta semana já chegaram notícias do bombardeamento de uma escola (algumas fontes referem duas) sob administração da ONU que albergava refugiados, da qual resultou a morte de quatro dezenas de mulheres e crianças, e uma habitação nos arredores de Gaza para a qual o exército israelita mudara na véspera mais de uma centena de civis[3].

O apregoado desiderato israelita de aniquilar o Hamas e a permanente acusação de que os guerrilheiros deste movimento se escondem entre a população conduz a que nas estatísticas de mortos e feridos se assegure que cerca de 1/3 serão civis e 25% serão crianças, proporção que não espanta quando se sabe que cerca de 48% da população do território tem menos de 14 anos de idade.

Para agravar este cenário também têm surgido notícias acusando o IDF (Forças de Defesa de Israel) de dificultar ou mesmo de impedir a assistência aos feridos, cuja origem são fontes do Comité Internacional da Cruz Vermelha[4] e que a BBC NEWS também tem difundido.
Muitas são as dúvidas que se podem levantar à actuação israelita e até organizações de defesa dos direitos humanos, como Human Rights Watch e a judaica B’Tselem, têm levantado legítimas dúvidas sobre a legalidade de alguns alvos e sobre os meios empregues nos bombardeamentos
[5], dada a manifesta destruição que têm produzido.

É que em matéria de defesa dos direitos humanos Israel não tem parado de evoluir e de surpreender o Mundo com iniciativas tão louváveis como a agora posta em prática nesta campanha em Gaza; antes de cada bombardeamento a aviação lança panfletos a aconselhar as populações a abandonarem as suas casas[6], como se os palestinianos dispusessem de sistemas de abrigos subterrâneos ou de qualquer outro lugar para onde fugir…

A imensa hipocrisia que tem rodeado mais esta acção militar judaica corre bem o risco de se converter mais numa acção para garantir o crescimento das fileiras do Hamas que o seu contrário, pois ao sujeitar toda a empobrecida e faminta população de Gaza ao que se parece mais com uma punição colectiva que qualquer outra coisa e impedindo, sob o argumento da protecção, a entrada de jornalistas estrangeiros no território que destrói a seu belo prazer, não deixará de contribuir para o aumento do número dos que acreditam no uso da força como única via para a resolução de um conflito que se arrasta há já 60 anos.

Talvez os políticos israelitas (desde o conservador Likud, passando pelo moderado Kadima e terminando no Partido Trabalhista), perfeitamente cientes da fraqueza da sua força e cada vez mais conscientes das vozes que na Palestina, em Israel e um pouco por todo o Mundo se vão fazendo ouvir em defesa da única solução que não apresenta a necessidade de dividir territórios – duas Nações, um Estado – prefiram o recrudescimento das organizações palestinianas mais extremistas como via para a manutenção do confronto, para a justificação dos massacres e o da manutenção de uma imensa prisão a céu aberto como sucede em Gaza e na Cisjordânia.
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[1] Recorde-se que os dois grupos se têm confrontado (até pela via das armas) pela liderança da designada Autoridade Palestiniana, desde que em 2006 o Hamas venceu as eleições legislativas enquanto a Fatah mantém a presidência daquela autoridade através de Mahmoud Abbas.
[2] Os bombardeamentos aéreos começaram no dia 27 de Dezembro, data que mediando entre o Natal e o Ano Novo costuma representar para o Ocidente uma época de festividades e de um nítido abrandamento nas actividades políticas, além de que coincide com o período de substituição do presidente norte-americano; tudo factores que assegurariam “a priori” um lapso de tempo maior até ao início das pressões diplomáticas visando a interrupção da ofensiva.
[3] Sobre o bombardeamento da escola da ONU ver esta notícia da BBC NEWS e esta outra do PUBLICO; sobre o outro incidente ver esta notícia da BBC NEWS.
[4] Na página da Cruz Vermelha podem encontrar notícias como esta: «Gaza: ambulâncias salva-vidas precisam ter acesso irrestrito aos feridos».
[5] Sobre esta matéria ver, por exemplo, esta notícia da BBC NEWS.
[6] A ocorrência foi referida em diversas peças jornalísticas, entre as quais esta do PUBLICO.

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