terça-feira, 6 de janeiro de 2009

QUO VADIS SÓCRATES

Ainda pairam no ar os ecos da mais recente aparição num canal de televisão nacional do primeiro-ministro José Sócrates e das reacções de parceiros políticos e sociais que não deixaram de manifestar as suas dúvidas, reservas e críticas ao muito pouco que ele disse, e já o EXPRESSO anunciou que «CONSTÂNCIO ANTECIPA RECESSÃO TÉCNICA NO FINAL DE 2008».

Que a economia nacional irá entrar em recessão[1] – ainda que possa ser uma novidade em termos de discurso governativo – não é novidade para ninguém, que o governo irá apresentar uma versão revista do orçamento para 2009, também não; então que novidade transmitiu o primeiro-ministro?

Salvo a tentativa de minimizar o muito propalado (pela imprensa) conflito com o presidente da república, a entrevista saldou-se por mais uma manobra de puro marketing: na véspera da apresentação do Boletim Económico de Inverno do Banco de Portugal (que já seria do conhecimento do governo), Sócrates antecipa-se e diz perante as câmaras que a recessão será uma realidade.

Não seria então caso para ouvirmos algo mais sobre as políticas que o governo prepara para enfrentar a situação? É que repetir até à exaustão que o seu governo tem uma estratégia bem delineada e sustentada em medidas como o aumento do investimento público, traduzido na construção de mais umas centenas de quilómetros de auto-estradas, na modernização do parque escolar nacional, na expansão da rede de banda larga ou na aposta nas energias renováveis, não só parece curto como deixa espaço para todo o tipo de questões, começando pela aparente estratégia de “salvar” tudo o que for possível[2] em nome da manutenção dos postos de trabalho.

É evidente que isto é atractivo para os milhares de trabalhadores que conhecem à saciedade a tradicional estratégia empresarial de encerrar portas às primeiras dificuldades (ainda mais quando essas empresas são detidas por capital estrangeiro que facilmente recoloca a maquinaria em funcionamento noutro ponto do planeta onde possa beneficiar de menores custos, sejam eles subsídios públicos à instalação e menores custos de mão-de-obra), mas deixa por responder a principal das questões a ela ligada: onde dispõe o erário público de meios – dinheiro – para a concretização de tal política?

Anunciar grandes investimentos públicos (presume-se que entre estes estarão o NAL e o TGV) e a preocupação com a manutenção do emprego é bonito e com garantidos dividendos eleitorais, mas apenas poderá convencer os ingénuos ou os crentes nalgum milagre que faça jorrar euros de uma qualquer fonte instalada em São Bento e tanto mais estranho quanto apenas a ausência de disponibilidades financeiras pode justificar aquela que tem sido a prática dos últimos governos – a dilatação dos prazos de pagamento às empresas.

É que embora dura, a realidade nacional é a de uma economia de maus pagadores, onde pontificam o Estado e as Autarquias, e de total ineficácia coerciva da máquina judiciária. Em Portugal, nas últimas décadas, grassam as dívidas e a impunidade dos devedores.

Situação bem mais eficaz na dinamização da economia nacional seria o Estado proceder à regularização das suas dívidas em substituição do anúncio de duvidosas medidas de apoio creditício, que além de necessitarem (e implicarem) a participação da banca ainda terão como efeito primário o aumento dos lucros desta e o aumento dos encargos de um tecido empresarial já sobreendividado.

Outra possível perspectiva de abordagem das políticas de combate à crise passa pelo aumento do rendimento disponível das famílias (o verdadeiro motor do consumo), campo em que limitá-las aos aumentos do abono de família e ao aumento do salário mínimo é não só moralmente errado (apara usar a expressão com que Sócrates referiu as críticas ao investimento público) como absolutamente insuficiente. Na comprovada falência de um modelo de desenvolvimento económico e social sustentado no crédito, caberá aos políticos responsáveis pela condução dos destinos dos povos a capacidade para o recurso a outros mecanismos de “injecção de liquidez” nas famílias, que poderão passar por políticas de redistribuição da riqueza, seja mediante uma revisão em baixa da carga fiscal sobre os rendimentos individuais, seja mediante a aplicação de um plano de pagamentos directos aos cidadãos.

Em qualquer dos casos era igualmente indispensável que José Sócrates tivesse preparado um bem estruturado plano para a redução da despesa pública, principalmente da componente não produtiva, não se limitando a renovar a sua profissão de fé no investimento público e esperar que a crise passe... talvez com a ajuda daqueles que mais contribuíram para a aprofundar.
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[1] Ver a notícia «SÓCRATES: “TUDO APONTA PARA UM CENÁRIO CADA VEZ MAIS PROVÁVEL DE RECESSÃO”»
[2] Ver a notícia «SÓCRATES DIZ QUE GOVERNO VAI SALVAR AS EMPRESAS “QUE PUDER”».

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