Em oposição a isto, do lado palestiniano há quem analise os mesmos acontecimentos sob uma luz bem diferente. Para estes, pouco há a lamentar quanto ao atraso no processo de paz na medida em que não há processo de paz, mas sim um longo e doloroso arrastar das posições israelitas[4]. Os que assim pensam não integram nenhum dos principais grupos político-militares palestinianos, nem constituirão nenhum grupo homogéneo de pressão sobre a Fatah ou o Hamas, que continuam a digladiar-se numa disputa sobre o frágil poder que “governa” os territórios palestinianos.
Para quem tenta observar do exterior o que vai acontecendo na Palestina, a imagem que ressalta é que dum lado e do outro abundam as divisões (que no caso palestiniano chega a originar confrontos armados) e que quem mais sofre com estas são as populações, principalmente as populações palestinianas que para qualquer lado que se voltem apenas encontram barreiras, sejam elas os muros e os postos de controlo instalados pelo exército israelita a pretexto da prevenção dos ataques suicidas, mas que na realidade servem principalmente para tornarem impossível a vida quotidiana e a sobrevivência das populações palestinianas, a intransigência das facções palestinianas que de quando em vez degenera em confronto aberto, ou a hostilidade dos colonos judaicos fortemente protegidos pelo aparato militar.
Os desentendimentos entre a Fatah e o Hamas, habilmente explorados por Israel, continuam na ordem do dia, a originar um desnecessário esbanjamento de esforços e de meios escassos e a motivar o fraccionamento entre palestinianos; além de não servirem os interesses das populações, que almejarão acima de tudo os meios indispensáveis para prosseguirem com as suas vidas, são um argumento recorrente para os governos dos países ocidentais manterem uma política de apoio a Israel e a este para estender no tempo (e no terreno) o seu “protectorado” sobre os territórios palestinianos.
Bom exemplo disto mesmo foi a recente actuação do governo de Israel quando protegeu a fuga de algumas dezenas de palestinianos da Faixa de Gaza, afectos à Fatah, para a Cisjordânia, ou quando recorre a actuações de pura chantagem sobre os palestinianos que procuram assistência médica em Israel[5]. Na prática, apoiando uma das facções palestinianas contra a outra, Israel está apenas a usar em proveito próprio e a alimentar o fantasma ocidental do “radicalismo islâmico" e assim prolongar a sua política de ocupação de terras.
Esta prática de dividir para reinar não constitui novidade, bastando lembrar que muitos observadores atribuem algum papel às autoridades israelitas durante a fase de criação e implantação do Hamas nos territórios palestinianos, que na época (final dos anos 80) era visto como uma boa forma de contrariar o ascendente da Fatah.
Se alguma luz de esperança houve após a vitória eleitoral do Hamas, no início de 2006, os acontecimentos que se lhe seguiram rapidamente a extinguiram. Primeiro foi a inqualificável decisão dos EUA e da UE de apoiarem a posição israelita de não reconhecimento do governo democraticamente eleito, a que se seguiu uma política de asfixia económica ao governo recém-formado e mais tarde um verdadeiro bloqueio total à Faixa de Gaza. Como se não fosse suficientemente grave a postura hipócrita dos pretensos negociadores ocidentais (EUA e UE) do processo de paz para o Médio Oriente, estes ainda afundaram mais a sua credibilidade quando lançaram uma política de apoio a Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestiniana e líder da Fatah, que terá culminado num controverso programa de armamento visando a eliminação do Hamas e que se conclui com a ocupação da Faixa de Gaza por este movimento.
Perante este cenário de profunda divisão palestiniana que mais poderá Israel? Serão suficientemente fortes as vozes dos palestinianos que apelam a uma reformulação da sua política interna, ou até os esforços da Liga Árabe que chegaram a culminar num governo palestiniano de unidade nacional, entre a Fatah e o Hamas que este não conseguiu respeitar, para conduzir os políticos palestinianos a enfrentarem os seus próprios erros?
A resposta a estas e outras questões não está, seguramente, na proposta solução “dois povos-dois estados”, porque o gérmen do nepotismo político já se espalhou pelos territórios palestinianos a ponto de levar dois partidos a lutarem entre si por um poder vazio de sentido e de realidade, enquanto o povo que dizem servir enfrenta dificuldades cada vez maiores para sobreviver.
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[1] A notícia, não sendo nova, pode ser lida aqui e informa de modo lacónico que o primeiro ministro de Israel anunciou que se demitirá em breve, quando o Kadima escolher um novo líder.
[2] As razões para a renúncia de Olmert são múltiplas e vão desde persistentes acusações de corrupção (envolvendo financiamentos partidários) até aos evidentes erros do envolvimento de Israel nas últimas incursões no Líbano e na Faixa de Gaza que se saldaram em derrotas políticas.
[3] Kadima ("Avante" em hebraico) é considerado o principal partido político israelita; apresentando-se como um partido do centro, foi fundado em finais de 2005 pelo ex-primeiro-ministro Ariel Sharon após abandonar o partido de direita Likud; o seu actual líder e primeiro-ministro de Israel é Ehud Olmert.
[4] Nesta linha de pensamento veja-se o artigo de Assan Abu Nimah - Olmert's departure: The perfect alibi – no endereço da ELECTRONIC INTIFADA.
[5] Sobre esta questão ver esta notícia da BBC.
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