segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

PORQUE FIZERAM CHORAR A ÍNDIA?

Volvidos pouco dias após o ataque terrorista a Mumbai, a capital financeira da Índia, além do elevado número de baixas e das evidentes dificuldades encontradas pela polícia e exército indiano par pôr termo à acção, muitas continuam a ser as especulações em torno dos perpetradores e dos seus objectivos.

Enquanto as populações choram as baixas, os locais devastados e a tranquilidade seriamente abalada, a AFP reporta a demissão do ministro indiano do interior seguida da do conselheiro de segurança, nos bastidores prosseguem as pesquisas para encontrar os responsáveis; apesar de uma pronta reivindicação por parte de uma organização islâmica denominada Mujahedeen do Deccan, os especialistas internacionais atribuem pouca credibilidade à possibilidade desta organização desconhecida levar a cabo uma acção tão bem planeada[1], dividindo-se entre os que atribuem a responsabilidade ao Lashkar-e-Taiba[2] (Exército dos Justos) de origem paquistanesa e os que mais vagamente acusam a Al-Qaeda.

Mesmo considerando que este atentado em Mumbai apresenta algumas semelhanças com o 11 de Setembro (o hotel Taj Mahal Palace é sem dúvida um dos maiores símbolos do poder de Mumbai e um dos lugares mais emblemáticos da cidade), dificilmente a autoria deixará de pertencer a um grupo mais especificamente relacionado com o tradicional conflito indiano-paquistanês e a disputa por territórios como Caxemira, a menos que queiramos alargar os horizontes da realidade geopolítica da região.

Esta hipótese não pode de modo algum ser descartada num período em que se anunciam alterações na política americana para a região (o recém eleito presidente Obama parece apostado em diminuir a presença militar americana no Iraque e concentrar esforços no Afeganistão) e em que as relações entre os estados rivais da Índia e do Paquistão parecem registar acentuadas melhorias[3]. Assim, uma acção como a realizada em 2001 contra o Parlamento indiano e que quase levou a novo conflito aberto entre a Índia e o Paquistão poderá ser de extrema utilidade no momento em que se torna cada vez mais evidente o recrudescimento da actividade dos “talibans” no Afeganistão. Ao concentrar a atenção (e as disponibilidades humanas e materiais) num conflito com a arqui-rival Índia, o Paquistão seria forçado a abrandar, senão mesmo suspender, o esforço contra as organizações islâmicas radicais que utilizam o seu território como local de refúgio e de lançamento de acções no vizinho Afeganistão.

Rebuscado?

Talvez não, porque aquela região há largas décadas que tem sido cenário dos mais variados conflitos (regionais e fronteiriços) e a flutuabilidade de alianças entre grupos religiosos e étnicos é proverbial e, não o esqueçamos, todos integraram o Império Colonial Britânico que sempre deixou uma indelével marca da sua passagem – o acentuar das rivalidades locais.

Reduzido hoje a um poderio muito menor, não será de estranhar que um dos primeiros alertas para a degradação da situação político-militar no Afeganistão tenha chegado precisamente da velha Albion, quando neste artigo de um correspondente da BBC no Afeganistão é citado um brigadeiro do exército britânico que afirma a necessidade de o Ocidente se contentar com o que for possível realizar no Afeganistão, dificilmente se poderá esperar mais que uma saída honrosa do cenário de conflito, quando são cada vez mais evidentes os fracassos acumulados pelas potências ocidentais e o país se encontra cada vez mais mergulhado num caos organizado à justa medida e necessidades dos traficantes de opiáceos[4].

Como se não bastassem as críticas cada vez mais abertas ao governo de Hamid Karzai, obrigado, por via da fragilidade de umas forças ocupantes demasiado dependentes das operações aéreas e condenados a suportarem os efeitos negativos das constantes baixas que provocam entre a população civil, a negociar com os senhores da guerra locais e com os chefes dos clãs a sua própria sobrevivência política, as cada vez mais evidentes contradições de americanos e europeus, com os primeiros a insistirem na “aposta” do apoio paquistanês e os segundos que parecem nunca ter entendido a impraticabilidade de instalação de um governo democrático, segundo o modelo ocidental, os “talibans” e os seus apoiantes[5] parecem ter encontrado mais uma via para facilitar o seu regresso ao poder no Afeganistão e para incendiarem ainda mais a parte do Industão[6] com que fazem fronteira
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[1] Recorde-se que esta acção apresenta muito poucas das característica dos “clássicos” ataques terroristas suicidas, mais parecendo uma acção de comandos militares.
[2] O Lashkar-e-Taiba foi fundado na província afegã de Kunar e operará actualmente em Lahore, no Paquistão, e na província Indiana de Caxemira. Os seus membros já lançaram importantes ataques na Índia, de que é principal exemplo o assalto ao Parlamento Indiano e o seu objectivo declarado é o pôr termo à presença indiana em Caxemira; embora alguns dissidentes tenham também perpetrado ataques em Karachi, no Paquistão, é comummente aceite a estreita ligação entre este grupo e o ISI (ver o conteúdo do portal South Asia Terrorism), os serviços secretos paquistaneses, cuja proximidade de interesses com os grupos islâmicos mais radicais é sobejamente conhecida. Incluída no Index dos grupos terroristas mundiais, o Lashkar-e-Taiba poderá ter alterado a sua designação em 2002 para Jama’at-ud-Da’wah passando a apresentar-se como uma organização de auxílio humanitário, muito popular no Paquistão onde disponibiliza ajuda médica e educação entre as camadas mais pobres da população.
[3] O próprio governo paquistanês, que desde a primeira hora condenou o atentado e pediu à Índia que não tirasse conclusões precipitadas, já se prontificou a colaborar nas investigações, mesmo antes do apelo da secretária de estado Condoleezza Rice nesse sentido.
[4] As notícias sobre o aumento da produção e exportação de heroína a partir do Afeganistão deixaram há muito de constituir novidade e até já o NEW YORK TIMES se referiu em Outubro passado envolvimento de Ahmed Wali Karzai, irmão do presidente Hamid Karzai, no tráfico de heroína.
[5] Entre estes importa salientar não apenas os grupos islâmicos mais radicais, mas também sectores do exército paquistanês e do ISI (serviços secretos paquistaneses).
[6] Embora esta seja uma designação caída em desuso (a designação hoje corrente é sub continente indiano) e só usada em contextos históricos, parece-me bem mais adequada (até pela ligação histórica).

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