Quem acompanhe minimamente as realidades económicas e sociais dos principais palcos da crise – EUA, Europa, Japão e BRIC[1] - e as estratégias desenvolvidas pelos diferentes governos para gerirem a actual conjuntura, aperceber-se-á que em boa medida estas não diferem grandemente. Mesmo no caso europeu, em que se tem revelado particularmente difícil a concertação de uma estratégia comum e os estados-membros têm oscilado entre um maior ou menor intervencionismo público, verificam-se importantes pontos de contacto, nomeadamente o facto de todos os governos terem eleito como tarefa prioritária o financiamento e a recapitalização dos bancos, esperando por esta via que os meios financeiros (liquidez) injectados no sistema bancário acabem por alcançar os restante sectores e agregados económicos.
Entre os principais críticos conta-se o economista Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia pelo seu trabalho de análise dos padrões de comércio internacional, que num recente artigo publicado na NEW YORK REVIEW OF BOOKS sintetiza aqueles que entende serem os principais passos a seguir no combate à crise[2] e que em poucas palavras se poderá sintetizar por: investimento público, mais investimento público.
Contrariando aquela que é ainda a tese dominante entre as dogmáticas elites intelectuais e políticas mundiais, Krugman não enjeita sequer o uso do seguinte aviso: «Nada seria pior do que não fazer o necessário com medo de que agir para salvar o sistema financeiro seja "socialista"», talvez para acentuar o que ele próprio define como primeiro passo; a opção por incentivar a circulação do crédito e estimular o consumo.
Dentro da mesma linha de pensamento neokeynesiano encontra-se ainda o também galardoado Joseph Stiglitz que num entrevista ao jornal suíço LE TEMPS[3] defendeu, dentro da mais pura linha keynesiana, o recurso ao endividamento público como via para o relançamento das economias.
O problema é que quer um quer o outro referem de forma demasiado superficial a dimensão e as características dessa intervenção pública, não ultrapassando meras referências a obras públicas.
Ora se recordarmos o período de ouro da aplicação das teorias de John Maynard Keynes, o New Deal norte-americano, que foi implementado pelo presidente Franklin Roosevelt como via para a dinamização do tecido económico e para a ultrapassagem da Grande Depressão, foi muito mais que simples obras públicas; foi também uma visão diferente da finalidade e do uso das fontes de crédito.
Aqui é onde começam as minhas divergências relativamente aos modernos neokeynesianos; é que contrariamente a estes não me parece de hesitar na explicação da necessidade da reformulação do papel dos Estados nas economias, tanto mais que a falência do dogma neoliberal do “menos Estado, melhor Estado” está por demais demonstrada.
O investimento público pode, e deve, ir além das chamadas obras públicas e investir em tudo o que possa contribuir para a melhoria das condições de vida das populações – o ensino, a formação, a saúde, os transportes, a produção de energia, as comunicações e a segurança – será positivo no aumento do rendimento das famílias e, por via deste, no consumo. A dimensão da crise, cuja profundidade ninguém pode hoje assegurar qual seja, e as ondas de choque que já está a provocar na economia real justificam cada vez mais a necessidade da intervenção de um agente regulador que procure minimizar os efeitos recessivos que já se fazem sentir.
Olhando para a realidade nacional e confrontados com o fracasso que está a ser a ausência de uma estratégia europeia concertada, importa, mais do que nunca, deixar bem claro que se o objectivo é, como anunciam os nossos governantes, o relançamento da actividade económica nacional, as decisões até agora tomadas de apoio ao sector bancário são de reduzida ou nula eficácia; como se assiste em geral, persistem a falta de liquidez nos mercados financeiros, escassez que já está a afectar os restantes sectores económicos. Tentativas como a criação de linhas especiais de crédito para apoio à indústria e comércio esbarram em duas importantes limitações: a situação da banca e o sobreendividamento das próprias empresas.
Assim, o que resta são as opções de investimento público, mas estas não podem continuar a ser a injecção de fundos públicos na banca (pelo menos sem a respectiva contrapartida da nacionalização daquelas empresas) ou as grandes obras de regime, antes aquelas que ao nível local tenham maior impacto no tecido económico e social. É que esta pode ser uma excelente oportunidade para o lançamento de projectos de dimensão social (apoio à infância e à terceira idade, dinamização de programas de ocupação de tempos livres para jovens e idosos, programas de apoio doméstico para idosos, etc.), de projectos orientados para a recuperação urbana (agora que a construção civil vê reduzida a procura de novas habitações) e para a criação e manutenção de espaços naturais.
É certo que para a sua realização haverá que recorrer a algum acréscimo do endividamento público (dando razão aos que criticam a opção por se revelar penalizadora para as gerações futuras), mas este efeito poderá ser amplamente mitigado pela melhoria da gestão e afectação actual dos recursos disponíveis e pelos efeitos positivos que terá sobre o aumento da procura interna.
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[1] Designação habitual das principais economias emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China.
[2] O texto foi igualmente publicado no Caderno P2 do PUBLICO do passado dia 17 de Dezembro.
[3] Há falta da fonte original (os artigos em arquivo são reservados a assinantes) recomendo a leitura da entrevista, disponível na página do COURRIER INTERNATIONAL.
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