quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

ESTARÃO OS BANCOS CENTRAIS A DAR DINHEIRO…

Para o melhor e para o pior a crise económica, e em especial o colapso do sistema financeiro internacional, continuam a marcar o dia-a-dia da imprensa nacional e estrangeira.

Depois do triste contributo do Prof. César das Neves (que foi objecto de análise e crítica no “post” anterior) e confirmando a reduzida aderência à realidade da aconselhada prática da calma e confiança, o próprio FED baixou as taxas do dólar para padrões inusitados[1]. Não só o corte anunciado foi de 75pb, quando o mercado não esperava mais que 50pb, como este resultou na fixação não de uma taxa mas de um intervalo entre 0% e 0,25%.

É verdade, leram bem, o banco central norte-americano admite financiar os bancos a preço 0 (zero). De pronto, a esperada tranquilização nos mercados se transformou em quedas do dólar (o mercado já teria descontado a descida de 50pb mas não a de 75pb) e dos restantes activos financeiros.

Para quem ainda duvidasse que para os banqueiros o custo real do dinheiro é nulo[2] (oficialmente a taxa de inflação nos EUA ronda o 1%, embora outros analistas a estimem nos 4%[3]) eis que o FED veio eliminar qualquer dúvida remanescente e na ânsia de reanimar uma economia anémica decidiu reduzir a sua taxa ao mínimo possível.

Tudo isto e a constatação que a decisão do FED constitui uma estratégia extrema no combate à recessão económica, terá levado o DIÁRIO ECONÓMICO a denominar aquela opção como uma “bomba atómica” e a chamar a atenção para duas realidades: o FED esgotou as suas possibilidades de intervenção (salvo o começar a assegurar o financiamento directo à economia) e que poderá significar o anúncio oficial do início de um período de deflação[4] nas economias ocidentais.

Mas o que ultimamente parece marcar a agenda das notícias económicas nacionais é o facto de sofrerem as PME nacionais com as piores condições de crédito, a ponto de já se ter lido que Sócrates pede aos bancos que emprestem mais dinheiro às empresas, do ministro Teixeira dos Santos já ter declarado que ”É preciso pressionar os bancos para que façam chegar o dinheiro às empresas”, chegando mesmo ao ponto de se ler que aquele Ministro das Finanças admite retirar garantias se banca não fizer chegar o crédito às empresas.

Neste contexto não é de espantar que a reacção tenha sido a de que uma Banca perplexa rejeita pressão do Governo, pois não só as beatíficas afirmações dos nossos governantes não passam de meros discursos populistas, como eles sabem (ou pelos menos os banqueiros já lhes explicaram) que existe uma abissal diferença entre dispor de liquidez (dinheiro) e emprestá-la. Esta é uma realidade universal, tanto mais que, conforme noticia o JORNAL DE NEGÓCIOS, o congelamento dos mercados de crédito fez disparar os depósitos dos bancos no BCE, com as instituições financeiras a preferirem a segurança do banco central da Zona Euro, facto perfeitamente em consonância com o clima geral de desconfiança que se vive no sector financeiro.

Mantendo integralmente o que escrevi no “post” «AS CRISES E A CRÍTICA», repito que os financiamentos obtidos pelos bancos nacionais graças ao aval do Estado não se destinam a contribuir para o estímulo da economia mas sim para consolidar os balanços dos bancos e limpá-los dos activos desvalorizados e José Sócrates e Teixeira dos Santos sabem-no desde a primeira hora, pelo que clamar agora pela intervenção dos bancos através das respectivas políticas de crédito é ingénuo, além de impraticável.

Salvo na CGD, banco de capitais públicos, o governo de José Sócrates não dispõe da mínima possibilidade de influenciar uma flexibilização dos critérios que cada banco usa para decidir a concessão de crédito. Mais, mesmo naquela instituição pública essa possibilidade chocará sempre com aquela que é a realidade da esmagadora maioria das PME e microempresas nacionais – a sua reduzida solvabilidade e insuficiência de capitais próprios - situação que as torna inadequadas para a obtenção de financiamento.

Agora, em época de crise, como antes em período mais fausto, o grande problema do tecido empresarial nacional não é o da reduzida dimensão do mercado interno ou das dificuldades no acesso aos mercados de exportação; não é o dos custos com o pessoal ou o dos elevados encargos sociais, mas sim o facto da grande maioria daquelas empresas não dispor de um volume de capitais próprios adequado.

Habituados a uma existência suportada em capitais alheios (cujos elevados custos vão repercutindo sobre os clientes) agora que estes se revelam menos disponíveis e mais caros os empresários clamam contra a injustiça de que se julgam alvos. Não fora a opção dos governos pela nacionalização, ou pela elaboração de planos de apoio às instituições financeiras, e aquelas reclamações não teriam a mínima justificação.

Aberto o precedente mundial com o sector financeiro, é natural que qualquer outro empresário (grande ou pequeno) se julgue no direito de beneficiar de idêntico tratamento. Afinal, também eles gerem empresas descapitalizadas e com acrescidos problemas de liquidez.

Tudo isto apenas vem reforçar a ideia de que a solução para a resolução da actual crise dificilmente será encontrada dentro da actual lógica do sistema capitalista de mercado e pior dentro da escola de pensamento vigente que centrando todas as atenções na superestrutura financeira global é absolutamente incapaz de perceber as necessidades dos restantes sectores económicos e ainda menos de gizar estratégias adequadas.

Sabendo-se que as crises que ocorreram no pós-guerra se desenvolveram principalmente na esfera financeira e que os efeitos que chegaram à economia real não foram tão acentuados quanto os que ocorreram na Grande Crise de 1929 ou como os que agora nos ameaçam, é de espantar que as soluções até agora preconizadas pelas altas instâncias pouco difiram das que contribuindo para ultrapassar aquelas pequenas crises, mais ou menos conjunturais, se estão a revelar insuficientes para mitigar a actual; quando as taxas de juro dos grandes bancos centrais forem todas nulas e quase tudo continuar na mesma, qual vai ser o passo seguinte?

Serão os governos suficientemente fortes, do ponto de vista político e social, para substituírem os bancos comerciais na emissão de moeda?

E se tal eventualidade ocorrer, qual será a melhor estratégia para fazer chegar a tão desejada liquidez ao circuito económico? Será financiando as empresas, ou aumentando as disponibilidades das famílias?

É que a resposta a estas questões não é de todo displicente, pois será delas que depende o nosso futuro e, quiçá, a duração da crise. Assim, se a opção fosse pela injecção de fundos na economia através do aumento do rendimento (e do consumo) das famílias o efeito de dispersão seria seguramente mais rápido que idêntica afectação de fundos às empresas, na medida em que estas iriam começar como equilibrar as suas próprias contas (há semelhança do que está a fazer o sector financeiro) antes de o fazer repercutir na produção e no rendimento dos seus trabalhadores.
__________
[1] Desde 1954 que a taxa directora do FED não descia a este nível.
[2] Se no caso norte-americano a taxa do FED era igual à da inflação oficial, no caso europeu quando o EUROSTAT anuncia uma taxa de inflação de 2,1% (ver a informação de 17 de Dezembro) e a taxa do BCE se situa nos 2,5%, pode-se falar em custo quase nulo.
[3] Sobre esta questão ver a página Shadow Government Statistics.
[4] A deflação define-se como uma redução do nível geral de preços, podendo caracterizar-se como um crescimento negativo dos preços médios.

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