sábado, 27 de dezembro de 2008

A FIGURA E O FIGURÃO DE 2008

Saindo fora do habitual modelo de avaliação dos acontecimentos do ano – prática recorrente sempre que nos aproximamos do final de mais um ano – mas sem abdicar de um olhar sobre o que aconteceu em 2008, proponho-me fazê-lo mediante a evocação de duas figuras que creio terem marcado os últimos doze meses.

Tratando-se de um processo algo redutor (a escolha de apenas duas figuras para representar todo um ano de vastas actividades e marcantes acontecimentos) nem por isso deixa de ser um exercício interessante e até revelador do que de pior e de melhor nos terá acontecido. Como escolha pessoal que é, outras igualmente significativas poderiam ter sido feitas e não será de estranhar que no final da leitura haja quem se interrogue do porquê de ter preterido esta ou outra figura, nem quem seguramente me acuse de insensibilidade por não ter reconhecido entre os maiores a figura do futuro presidente dos EUA.

Mas vamos às escolhas!

Uma nacional, outra estrangeira. Uma pela positiva, outra pela negativa; ambas me parecem merecedoras de atenção, mas passemos aos factos.

A figura nacional que me parece merecedora de toda a atenção é a de Manoel de Oliveira, o artista que acaba de completar o seu centenário sentado na cadeira que a tradição "hollywoodesca" atribui à figura do realizador.

A referência não pretende ser sequer uma homenagem, pois o simples facto de ele ser hoje o mais idoso dos realizadores de cinema em actividade e de ao longo da sua vida ter realizado dezenas de filmes[1] (distribuídos entre longas, curtas e médias metragens, documentários, “videoclips”), de entre a primeira e a segunda realização terem mediado três décadas, de actualmente realizar um filme por ano (numa entrevista televisiva a propósito do seu centenário revelou que continua a trabalhar em alguns projectos) e de contar entre os galardões recebidos dois prémios da Bienal de Veneza (Leão de Ouro), em 1985 e 2004, e a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2008, são factos suficientemente relevantes, que terão estado na origem do extenso artigo que o NEW YORK TIMES lhe dedicou no passado mês de Setembro.

Se a figura do ano de 2008 se distingue pela sua faceta artística e humanística (a par com o notável fenómeno de longevidade intelectual e criativa), o figurão justifica o destaque pelo seu papel no desenvolvimento da crise económica que alastra pelas economias mundiais.

Norte-americano de naturalidade, mas de ascendência judaico-húngara (o seu nome de família original era Grünspan), distingiu-se como presidente do FED (o banco central norte-americano) durante duas décadas (1987/2006), precisamente aquelas que precederam a actual crise. Alan Greenspan – pois é a ele que me refiro – licenciou-se em economia na Universidade de New York e iniciou uma actividade como consultor que o conduziria à presidência do FED. Foi nomeado por Ronald Reagan, em Agosto de 1987 para substituir Paul Volcker, ganhou fama e notoriedade pela sua actuação na crise desse mesmo ano[2] e mais tarde na chamada crise das “dot-com[3], baseando sempre a resposta do FED às diversas crises cíclicas em intervenções na liquidez e cortes na taxa de juro.

A sua estratégia de utilização de mecanismos monetários (massa monetária e taxa de juro) como meio de controlo da economia estará, segundo prestigiados economistas como Joseph Stigliz e Paul Krugman[4], é a grande responsável pela bolha do imobiliário cujo rebentamento em 2007 deu início à sucessão de acontecimentos no meio financeiro que conduziram à actual crise.

Registe-se que numa recente audição perante o Congresso norte-americano[5], Greenspan admitiu que as suas convicções de ultraliberal se mostravam abaladas com o desenrolar dos acontecimentos, asserção que não significando uma confissão formal, nem por isso perde o seu peso, nem contribuiu para diminuir as críticas a que tem estado sujeito.

Perante a dimensão da catástrofe e a aparente atrapalhação de um dos seus grandes mentores e que durante décadas foi incensado como um “guru” do conhecimento económico é difícil não lhe atribuir de pronto o título de figurão do ano.
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[1] Uma listagem da sua filmografia pode ser encontrada na WIKIPÉDIA, outra encontra-se integrada na página da produtora MADRAGOA FILMES.
[2] A crise de 1987 iniciou-se em 9 de Outubro (Black Monday), data em que as cotações das principais bolsas mundiais caíram de forma abrupta (o Dow Jones Industrial Average caiu 22,6% nesse dia); a explicações para o fenómeno ainda hoje continuam a ser discutidas, mas entre as principais avultam a ideia de uma sobrevalorização dos activos e a interligação dos mercados em resultado das melhorias nos sistemas informáticos e de comunicações.
[3] Resultou do rebentamento de uma bolha especulativa em torno de empresas ligadas à Investigação e Tecnologia (I&T), conhecendo o seu apogeu em Março de 2000, e deve o seu nome ao facto das empresas mais afectadas terem sido as ligadas à Internet e às novas tecnologias que integravam o mercado do NASDAQ (National Association of Securities Dealers Automated Quotations).
[4] Ambos galardoados com o Nobel de Economia – Stiglitz em 2001 e Krugman em 2008.
[5] Sobre esta questão ver os “posts”: «CATA-VENTO GREENSPAN e »«AS DICAS DO MAESTRO».

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