terça-feira, 16 de dezembro de 2008

AS CRISES E A CRÍTICA

No próprio dia em que o DIÁRIO ECONÓMICO informou que o BANCO DE PORTUGAL ACUSA NOVE EX-GESTORES DO BCP, eis que o Prof. César das Neves saiu a público, na sua crónica semanal no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, criticando os que têm condenado a actuação do governo de José Sócrates na gestão da crise financeira. Para o insigne professor este não é momento adequado senão para promover a calma e a confiança.

Seguindo estritamente a velha receita de “cuidados e caldos de galinha”, o que todos deveríamos fazer no momento em que o sistema financeiro mundial colapsa devido à falência das mais teses monetaristas e neoliberais, seria manter mansamente a total confiança num sistema que comprovadamente se está a revelar incapaz senão de servir os interesses dos grandes investidores.

Mas curiosamente o que César das Neves propõe nem o seu discípulo Cavaco Silva cumpriu quando, durante a crise de 1987 e em pleno desempenho das funções de primeiro-ministro, declarou que (e cito de memória): “há na bolsa gato por lebre”! Porque é que figura tão pouca dada a especulações e a grandes alardes críticos lançou semelhante aviso num momento, mais do que no actual porque a crise de então era quase exclusivamente financeira, em que o mais importante também seria manter a confiança dos investidores?

Será que no fundo até o actual Presidente da República tinha uma perfeita noção do quão arriscados se tinham tornado os mercados financeiros, ou foi um mero deslize?

É que no momento actual não basta, como propõe o articulista, apreciar as críticas nas duas vertentes em que este o faz – a da utilização de fundos públicos e a do funcionamento da justiça – pois o que verdadeiramente está em causa (e ele sabendo-o bem e omitindo-o revela uma fraca integridade intelectual) é a apreciação crítica do modelo de funcionamento do sistema financeiro mundial.

Poderemos discutir até à exaustão se a melhor opção política será a de, em nome da credibilidade e da confiança, “salvar” toda e qualquer instituição financeira, ou pelo contrário deixar funcionar as leis do mercado e esperar que as instituições financeiramente mais saudáveis absorvam as mais débeis. Poderemos até deixar passar em claro a enorme contradição intelectual que consiste em ver os grandes defensores da livre iniciativa, do primado do mercado e da “mão invisível” transformados nos grandes defensores da intervenção dos Estados na banca (aqueles mesmos Estados que ainda há bem pouco tempo eram a origem de todos os males e a fonte de todas as ineficiências económicas), agora não podemos é calar que este é o momento oportuno para introduzir necessárias e significativas alterações num sistema financeiro que, prova-o a realidade, está a mergulhar o conjunto das economias numa recessão de dimensão ainda difícil de estimar.

E como não fazê-lo quando até nas esferas académicas (veja-se este artigo de Raymond Plant, professor do King’s College de Londres, publicado no mesmo dia pelo DIÁRIO ECONÓMICO) não falta quem contradiga a posição conservadoramente cautelosa de César das Neves? Mais, como é que aquele pretende, em complemento, convencer-nos com teses como a de que a “intervenção” no BPP não se destina a «...apoiar as fortunas e investidores, mas depositantes e fornecedores»? Terá esquecido que os ditos depositantes do BPP celebraram com o banco um contrato de gestão de património e não a constituição de um simples depósito e que o que terá movido o sindicato bancário a intervir foi a necessidade de salvaguardar o risco das suas próprias aplicações (para mais com a adequada protecção do “chapéu de chuva” governamental)?

É que a candura com que pretende convencer-nos da bonomia da intervenção pública, sustentando que «[d]ado que a crise paralisou o crédito e secou a liquidez, a acção das autoridades actua precisamente nesses meios, reactivando os mercados» baseia-se em premissas falsas; o que paralisou o crédito foi o excesso de risco em que incorreram os principais intervenientes naquele mercado e o que originou a falta de liquidez é a extrema opacidade das carteiras dos bancos, situação que conduziu a que os que disponham de maior liquidez a retenham, pelo duplo receio do risco dos parceiros e de poderem vir a necessitar da que cederem.

Confirmando tudo isto vejam-se as declarações do ministro das finanças, Teixeira dos Santos, que quando diz que “é preciso pressionar os bancos para que façam chegar o dinheiro às empresas” mais não faz que confirmar a ineficácia das medidas que os dois defendem e que, contrariamente ao que afirmou César das Neves, os financiamentos obtidos pelos bancos nacionais graças ao aval do Estado não se destinam a contribuir para o estímulo da economia mas sim para consolidar os balanços dos bancos e limpá-los dos activos desvalorizados que neles constam.

Por tudo isto é que, mais que nunca, este é o momento para pensar e agir no sentido da elaboração de um novo sistema financeiro mundial que retire aos banqueiros o poder de asfixia sobre toda a economia.

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