domingo, 14 de dezembro de 2008

MAIS PLANOS DE RECUPERAÇÃO

O resultado da última cimeira de europeia, que o PUBLICO anunciou dizendo que Líderes da UE de acordo sobre plano de relançamento de 200 mil milhões de euros, bem como a notícia difundida pela TSF que o Governo anuncia pacote de medidas de apoio ao investimento público e emprego, talvez possam constituir sinais muito positivos sobre a preocupação dos que nos governam quanto à necessidade de não abdicar da luta pela normalização das economias, porém uma leitura um pouco mais atenta daquelas notícias (e de outras) será suficiente para entendermos que a situação encontrar-se-á muito longe de controlada e ainda mais de contrariada.

A última reunião de Bruxelas não poderá ser considerada um grande sucesso – salvo as doutas opiniões dos participantes e do presidente da Comissão, Durão Barroso – não só no plano económico, onde tudo se resumiu à aprovação do plano que a Comissão apresentara quinze dias antes, como no político, onde a nota dominante foi o apoio ao governo irlandês para a realização de um segundo referendo para aprovação do Tratado de Lisboa (quantos mais poderão ser ainda necessários continua a ser uma incógnita, salvo se a crise económica funcionar como elemento decisivo para a aprovação de um tratado desenhado segundo as regras dos mais elementares princípios neoliberais que terão estado na origem da actual crise, o que a ocorrer será uma enorme contradição) e a reafirmação das metas ambientais[1].

Quando dias atrás critiquei a exiguidade do montante previsto pelo presidente da Comissão Europeia (apenas 200 mil milhões de euros) e o ridículo que constituía a participação do Orçamento Comunitário (escassos 30 mil milhões), no “post” a CARTEIRA DO DURÃO BARROSO, já tudo deixava antever que a proposta europeia pouco ou nada diferiria da americana (o famoso Plano Paulson[2]) onde a grande solução é a aposta na normalização do sistema financeiro e o incremento do recurso ao endividamento das empresas como via para o relançamento das economias.

Não fora o pequeno busílis de ter sido precisamente o colapso de um sistema financeiro apenas preocupado pelo perpétuo “mantra” do aumento dos lucros a originar a escassez de crédito e a ditar a redução do consumo das famílias e a consequente redução da procura que determinou as actuais dificuldades da indústria e do comércio e talvez os incentivos anunciados em Bruxelas e de pronto reproduzidos de São Bento pudessem vir a desempenhar algum papel na resolução dos problemas.

Esta realidade é ainda mais preocupante no caso português, porquanto não só se apresenta numa situação de excessivo endividamento externo como a generalidade do tecido empresarial nacional já apresenta uma situação de recurso em excesso a capitais alheios (financiamento bancário), pelo que o sucesso da iniciativa se me afigura de muito duvidosa eficácia. As linhas de crédito, mesmo beneficiando de taxas de juro mais reduzidas, não irão resolver o problema estrutural da economia portuguesa – a escandalosa escassez de capitais próprios de que sofrem a generalidade das nossas empresas. Quanto muito poderão ser utilizadas pelas mais dinâmicas (ou dotadas de melhor gestão) para reduzir os encargos mediante substituição das linhas de crédito já contratadas.

É que se a existência de crédito para o adequado financiamento da actividade económica pode ser uma pedra angular de uma bem estruturada e equilibrada economia, já a proliferação de empresas (e em especial de microempresas) descapitalizadas, baseadas em modelos produtivos tecnologicamente ultrapassados e dependentes de salários baixos e de subsídios públicos, não poderá produzir efeito diferente daquele a que temos assistido nas últimas décadas – encerramento de fábricas, deslocalização da produção para países de mão-de-obra ainda mais barata e desemprego.

Ora esta crise só poderá ser eficazmente combatida com medidas e políticas que estimulem o emprego (para através mais e de melhores salários incentivar o acréscimo do consumo interno e da procura) e que apoiem os sectores de actividade que revelem capacidades de crescimento e de competitividade e as empresas (e os empresários) que efectivamente se enquadrem em processos de modernização e revelem métodos de gestão adequados aos actuais desafios.

Já ao investimento público directo deverão se feitas outras exigências, a primeira das quais deverá ser a do fim das faraónicas obras de regime tão do agrado dos nossos políticos. Um novo aeroporto internacional ou uma bonita ligação Lisboa-Porto em TGV poderão constituir atractivo apenas para os que almejam entrar para o livro da história pela porta fácil, mas quem quiser vir a ficar associado a uma correcta política de superação da crise deverá apontar antes para obras de menor dimensão mas de efectiva eficácia, como sejam a requalificação da rede ferroviária nacional, a requalificação dos tão degradados centos urbanos das nossas localidades ou até a recuperação da rede nacional de estradas que a febre das auto-estradas iniciada durante os governos de Cavaco Silva ditou ao abandono.

A aposta que o governo de José Sócrates pretende fazer na aplicação de mais estes 2 mil milhões de euros agora anunciados na educação, mediante a recuperação de escolas públicas, e em projectos ligados à energia e à inovação, poderá ter sido ditada pela melhor das intenções, mas experiências anteriores não auguram nada de bom. Além de se correr algum risco investindo na recuperação de escolas que um dos próximos ministros da educação se apressará a encerrar (o que sinceramente espero que não ocorra, porque a iniciativa de recuperação do parque escolar é em si meritória), a ainda recente experiência desastrosa com a delapidação de fundos comunitários aconselha, no mínimo, a encarar estas medidas com as maiores reservas.

Mesmo sem negar a utilidade e a necessidade de investimentos nas áreas energéticas, área na qual Portugal dispõe de inegáveis vantagens competitivas na exploração de energias como a solar e a das marés, teria ficado muito mais tranquilo se Bruxelas e o nosso governo não tivessem anunciado apenas mais um pacote para os pacóvios aplaudirem e tivesse revelado um verdadeiro empenho no desenho de medidas práticas para contrariar a crise, começando pela significativa alteração das regras de funcionamento do sistema financeiro.

É que sem isso continuamos a correr o risco de voltar a ver “engolidos” na voragem especulativa os fundos que deveriam servir para o relançamento das economias europeias e da melhoria qualidade de vida dos cidadãos.
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[1] Neste capítulo destaque-se o programa do Objectivo 20/20/20, a saber: redução até 2020 de 20% na emissão de gases com efeito de estufa, aumento de 20% no uso de energias renováveis e redução de 20% no consume de energia mediante aumento da eficiência energética.
[2] Também conhecido na terminologia anglo-saxónica por TARP (Troubled Asset Relief Program).

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