sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

DESPENALIZAÇÃO DA IVG – BREVE RESENHA

Se no post anterior deixei algumas questões em torno da necessidade de nova consulta popular sobre a interrupção voluntária da gravidez, a regular apresentação de argumentos a favor e contra leva-me a formular outro tipo de questões.

Por uma questão de mera estruturação mental organizemos as questões segundo a sua natureza:

- teológica;

- moral e ética;

- legal;

- científica;

- prática.

No primeiro grupo encontram-se as de resposta mais fácil mas também mais primária, porque de uma forma geral para as grandes religiões o aborto é uma prática condenável; no seu particularismo cada uma pretende preservar o dom da vida e o primado da vontade superior que tudo comanda (curiosamente nenhuma atribui importância à vontade da mulher, em caso algum comparável a uma manifestação de um desígnio superior). No caso português, país onde as estruturas religiosas ainda mantém um peso assinalável, é particularmente curioso o facto de começarem a surgir em público algumas vozes menos radicais (ou mais abertas à sociedade laica), sendo o cada vez menos evidente uso e abuso dos cânones religiosos, como fonte de argumentação para o debate, sintoma disso mesmo.

Mais curioso ainda é o crescente movimento entre os simpatizantes do NÃO (hoje noticiado pelo DIÁRIO DE NOTÍCIAS) que começa a defender a necessidade de não condenar as mulheres que recorram ao aborto, propondo-se mesmo, ironia das ironias, avançar em caso de vitória do NÃO com propostas legislativas naquele sentido.

A bem do próprio debate (e muita gente há que já terá feito a sua opção mesmo sem revelar grandes convicções) as questões de natureza moral e ética são incontornáveis; podem é ser abordadas em perspectivas diferentes consoante se apoie ou condene o recurso ao aborto.
Já no capítulo legal não existem dúvidas; hoje (e até que o actual quadro legal seja revisto) a prática do aborto em Portugal é crime e o argumento tantas vezes esgrimido pelos defensores do NÃO de que não existem, em Portugal, mulheres encarceradas por essa prática é falacioso e perigoso. Primeiro por remeter para a benevolência de quem aplica a lei e depois porque a qualquer momento a situação se pode inverter. Eticamente mais correcta é a posição defendida por alguns juristas e juízes que apoiam a alteração da lei baseando-se na evidência de que a sociedade já não penaliza a interrupção da gravidez.
O ponto de vista que ainda suscitará maiores controvérsias será o científico, seja porque a ele grandemente recorre os defensores do NÃO (os movimentos do feto, o bater do coração, etc., etc.) seja porque os sucessivos avanços da medicina, nomeadamente na forma como tornaram tão evidente a vida intra-uterina, contribuem para reforçar os argumentos dos defensores do NÃO. Conquanto possa parecer resolvida a questão do “início da vida” e tudo indica que este seja o grande argumento dos opositores à legalização do aborto, nem por isso deixam de se verificar outras questões igualmente relevantes neste capítulo.

Como exemplo disso aqui volto a repetir o teor do parecer da Comissão Britânica de Bioética que não hesita em defender que aos nados com menos de 22 semanas de gestação não sejam aplicados cuidados médicos face à muito reduzida taxa de sucesso (apenas 1% dos casos) e a recomendar a leitura desta notícia do PUBLICO, que além de esclarecedora permite ainda a comparação da argumentação, algo tanto mais importante quanto também existem defensores do SIM entre os membros da classe médica e nem tudo o que se tem ouvido consiste em informação cientificamente rigorosa. Assim, aquela recomendação da Comissão Britânica de Bioética pode muito bem ser entendida como a definição de um limiar de vida autónoma para o feto e estabelecer uma referência temporal até à qual será aceitável uma interrupção da gravidez.

Mas no fundo, a verdadeira área de debate de uma questão tão sensível como o aborto terá sempre que ser a sua natureza prática.

Que actualmente ninguém, minimamente informado e esclarecido, possa aceitar o recurso ao aborto como forma regular de prática anticoncepcional, não creio que mereça qualquer discussão. Aceitando esta premissa cairá por terra o grande argumento de defesa da vida por que se batem os apologistas do NÃO (se levarem ao extremo as suas teses acabarão, como a Igreja Católica, por também condenar o uso de qualquer método de prevenção da gravidez) restando-lhes aceitar que a sua recusa é a condenação de uma solução extrema e não a de uma prática regular.

Assente este princípio e o de que nenhuma mulher recorre à prática do aborto de ânimo leve, estaremos em condições de colocar a matéria do referendo no mais correcto e equilibrado dos campos: TRATA-SE DE UMA MATÉRIA DO FORO ÍNTIMO DE CADA PESSOA (ou casal, se preferirem).

Assim sendo, porque não deixar à consciência de cada um a resposta à situação?

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