domingo, 6 de agosto de 2006

O CEDRO DESTRUÍDO?

Para quem alimentou esperanças que a solução do conflito israelo-libanês pudesse residir na ONU as últimas notícias deixam muito poucas expectativas.

Após o anúncio de um pré-acordo entre franceses e americanos sobre o texto de uma resolução a aprovar por aquele organismo prevendo um cessar-fogo duradouro, rapidamente começaram a surgir reacções das partes envolvidas no conflito. De Israel chegaram, pelo voz de alguns ministros, notícias da a satisfação por a resolução permitir a continuação dos bombardeamentos até à instalação de uma força internacional de interposição, enquanto responsáveis libaneses se manifestaram contra o texto por não fazer qualquer referência à necessidade da retirada das tropas israelitas.

Mantendo a tónica que já vem sendo comum, a imprensa ocidental desvaloriza as reacções libanesas por serem originadas de personalidades pró-Hezbollah. Contrariando esta tese o PUBLICO noticiou hoje que o primeiro-ministro libanês, Fouad Siniora, já informou a secretária de estado norte americana, Condoleezza Rice, que o acordo terá que prever a retirada das tropas israelitas do território libanês.

Colocados (novamente) perante um cenário de prolongamento de um conflito, com os dois contendores responsabilizando a outra parte pelo seu início, cujas principais vítimas têm sido as populações civis e do qual tudo indica irá resultar nova situação de ingovernabilidade (política e económica) do Líbano, a comunidade internacional continua a revelar uma absoluta incapacidade para o arbitrar. Como muito bem hoje refere Eduardo Dâmaso no editorial do DIÁRIO DE NOTÍCIAS tudo isto não passa do «…insuportável reflexo do cinismo e da incapacidade da comunidade internacional em lidar com o conflito israelo-árabe há mais de 50 anos…», mas pior ainda é a evidência de se continuar a querer negociar um acordo sem a intervenção directa das partes beligerantes.

Mesmo considerando que Israel alega estar a travar este conflito para libertar os seus soldados capturados e para desarmar o Hezbollah e que este partido libanês foi incluído pelos EUA na lista das organizações terroristas mundiais (por proposta de Israel e à semelhança do que fizeram com o movimento palestiniano do Hamas), haverá sempre a hipótese de sentar à mesma mesa os governos de Israel e do Líbano (no qual o Hezbollah participa).

Só que esta solução não agrada a demasiados intervenientes neste imbróglio. Israel quer manter liberdade de acção até considerar que aniquilou o Hezbollah e tem o forte apoio de uns EUA em cujo governo pontuam bom número de defensores do princípio do «caos construtor» que são já responsáveis por outras iniciativas armadas de duvidosa fundamentação e com resultados pouco menos que desastrosos. Por outro lado o Hezbollah (seja em cumprimento de uma agenda política própria seja em benefício de terceiros) não deixará de aproveitar qualquer interrupção nos combates para fortificar a sua posição interna (e entre os países árabes) e para clamar nova vitória sobre Israel.

Talvez por tudo isto já se começaram a fazer ouvir vozes israelitas contestando a opção do governo por mais esta invasão (perdão, na terminologia judaica esta é apenas mais uma guerra defensiva) e chamando a atenção que existem fortes probabilidades do Hezbollah sair mais forte deste conflito. Os discordantes apontam ainda outras fragilidades ao governo de Ehud Olmert, nomeadamente o facto de ter aberto as hostilidades de forma impreparada, de ter pretendido aniquilar o Hezbollah mediante o recurso a intensos bombardeamentos aéreos e não ter de imediato chamado ao activo os militares reservistas mais experientes.

No lado libanês as coisas não se apresentam nem mais claras nem mais simples. O governo liderado por Fouad Siniora (um muçulmano sunita, ex-ministro das finanças e muito próximo do ex-primeiro-ministro assassinado Rafik Hariri, tido como anti-sírio, pró-ocidental e defensor do comércio livre) consiste numa coligação de partidos pelo que dispõe de um campo de manobra reduzido em matérias sensíveis como esta. O Hezbollah, de matriz xiita, não constituindo a maior força política acaba por ser talvez a que dispõe de melhor organização (mantém activa uma forte milícia) e seguramente de importantes apoios externos.

O desenrolar do conflito e a generalização dos bombardeamentos israelitas têm sobrelevado o papel deste grupo, não só porque militarmente são os únicos a fazer frente ao avanço israelita, mas porque, face à inoperacionalidade do governo, constituem em muitos locais o único apoio das populações; o crescimento do apoio popular ao Hezbollah poderá, como muito bem lembram personalidades israelitas, acabar por constituir uma vantagem futura seja numa situação de cessar-fogo, seja após um eventual acordo de paz.

Por último uma referência que deveria ser aproveitada para pressionar os termos de um acordo. O problema não se pode cingir a um cessar-fogo entre Israel e o Líbano, nem a um eventual acordo de paz entre os dos países, pelo menos enquanto continuar por resolver a difícil questão palestiniana. Também aqui o cerne da questão está no facto de Israel entender dispor de todos os direitos para intervir a seu belo prazer nos territórios palestinianos e de, inclusive, prender membros do governo e do parlamento palestiniano (ainda este sábado à noite foi preso Aziz Doweik, em Ramallah, na Cisjordânia, membro do Hamas e presidente deste parlamento) ainda e sempre sob a alegação de pertencerem a um movimento “terrorista”.

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