quinta-feira, 10 de agosto de 2006

É INDISPENSÁVEL REPENSAR O ENSINO EM PORTUGAL

Quando consultava os resultados dos exames de 2ª época do 12º ano e pensava quantas frustrações e quantos alunos com bom potencial estaríamos a desperdiçar, veio-me à memória um artigo no LE MONDE que li há uns dias sobre o ensino superior em França.

Nele o autor, Yves Mény, presidente do Instituto Universitário Europeu de Florença, reflecte sobre um conjunto de questões que, aparentemente específicas do sistema de educação francês, acabam por ser comuns a muitos outros países. Lá, como cá, também os jovens são confrontados com um apertado (não confundir com rigoroso) sistema de admissão nas escolas superiores, facto que conduz a uma forte probabilidade de ingresso numa escola e num curso não pretendido, quando não à pura e simples eliminação de jovens com potencial.

Outro ponto comum prende-se com uma gritante falta de investigação no meio académico e a escassez ou debilidade dos quadros docentes, situação que entre nós é ainda mais gritante no caso das escolas situadas fora dos principais centros académicos. Por último, também em Portugal se revela gritante a falta de prestígio da maioria das escolas superiores.

Assim, os nossos futuros quadros além de terem que se confrontar com escolas materialmente mal dotadas, ainda têm que ultrapassar uma dificuldade adicional – a falta de professores que constituam verdadeiros referenciais de conhecimento, experiência e ética. A este respeito recordo muitas vezes as palavras de um antigo colega de trabalho, que um dia me confidenciava que para sua grande mágoa nunca tivera como professor, durante os anos que passara na universidade, alguém que constituísse um verdadeiro referencial, alguém a quem pudesse atribuir o título de MESTRE.

Atente-se que quando refiro falta de experiência e de investigação no meio académico estou fundamentalmente a pensar na transposição de sólidas experiências do meio profissional para as escolas (por via de professores com práticas conceituadas) e da adequação entre a investigação puramente teórica e aquela que o mundo profissional exige.

Não se deduza daqui que as escolas superiores nacionais estarão totalmente desprovidas de docentes qualificados. Neste capítulo a análise terá de ser feita escola a escola (e curso a curso), mas não tenho qualquer sombra de dúvida que fora do ambiente académico estão muitos excelentes profissionais cujos conhecimentos práticos, pelas mais variadas razões, não são aproveitados nem difundidos.

Por razões sobejamente conhecidas a maior parte das escolas superiores portuguesas acabam por cumprir apenas a função de formar os quadros superiores do Estado (incluindo as carreiras puramente políticas) acto que além de limitado, em pouco ou nada contribui para a introdução de novas mentalidades renovadores – quer no Estado quer nas escolas – e assim se tem vindo a perpetuar um modelo de ensino que cada vez mais retorna ao muito criticado modelo medieval do “magister dixit”. Desprovidos de evidentes e treinadas capacidades críticas, os futuros gestores e os futuros professores portugueses dificilmente reunirão as condições mínimas que permitam a curto prazo quebrar este ciclo de (de)formação. Esta questão é tanto mais importante quanto regularmente continuamos a assistir à publicação de estatísticas, estudos e inquéritos que colocam a mão-de-obra nacional entre a que apresenta menores níveis de formação no espaço comunitário.

Enquanto persistirmos em gerir questões de interesse geral e nacional sob uma perspectiva de interesse de classe profissional, enquanto continuarmos a assistir ao constante movimento de revisões curriculares (a ritmo igual ao que assistimos à mudança de ministros da educação), enquanto tivermos governos que continuam mais interessados nos resultados estatísticos que na efectiva aplicação de políticas de ensino que incrementem os níveis de conhecimento e de práticas pedagógicas que os jovens entendam e que valorizem o factor trabalho e esforço de aprendizagem, dificilmente romperemos este círculo vicioso e apenas muito remotamente alguém de boa fé poderá pensar em o ver melhorado.

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