Na memória de todos estão ainda os acontecimentos em Abu Ghraib, amplamente documentados e que até já originaram a condenação de alguns soldados, porém o que aquela ONG agora veio documentar, não sendo uma novidade absoluta, é muito mais grave. De acordo com os testemunhos recolhidos junto de militares norte-americanos, a prática de maus-tratos aos prisioneiros iraquianos longe de constituir actos isolados é uma prática regular e estimulada pela estrutura de comando.
Além das “instruções” transmitidas aos soldados encarregues da custódia e dos interrogatórios, onde pelo menos é grande a “pressão” para a obtenção de resultados, há quem refira a participação em “acções de formação” com advogados que explicitamente defendiam a não aplicação do estatuto de prisioneiros de guerra aos detidos, nem dos princípios previstos na Convenção de Genebra e, pior ainda, a própria estrutura de comando ignorava as objecções levantadas por alguns dos soldados.
De acordo com o relatório citado a prática de maus-tratos poderia ir da simples privação de sono a outras formas mais sofisticadas como a da sujeição dos presos a grandes amplitudes térmicas, a obrigatoriedade de prática de continuados exercícios físicos, até à utilização de cães como método de aterrorização. Estas práticas estendem-se por vários locais, sendo Camp Nama, situado na zona do aeroporto de Bagdad, um dos mais activos e nelas se têm destacado várias unidades militares americanas.
A publicação no final do mês passado destas conclusões constitui apenas mais um dado para um melhor entendimento de como se tem desenrolado a vida no Iraque após a invasão norte-americana. Não que a prática reiterada de violações à legalidade internacional pelas forças ocupantes constitua uma verdadeira novidade, nem que a mesma possa, isoladamente, justificar o clima de violência descontrolada que grassa naquele país, mas que somado este dado a muitos outros sinais, como:
- a manifesta incapacidade dos sucessivos governos iraquianos e do exército americano para reduzir a violência entre xiitas e sunitas;
- a generalização da prática da corrupção aos mais diversos níveis do governo iraquiano, dado que um recente relatório norte-americano avalia em 4 mil milhões de dólares desviados dos fundos para a reconstrução do país, e envolvendo empresas americanas (ver Questions About 'Missing Billions' in Iraq);
- o aparecimento em Bagdad de “grafittis” da Nação Ariana, um dos mais conhecido grupos supremacista branco americano, já confirmado pelo Pentágono e que segundo a Southern Poverty Law Center (organização que investiga este tipo de grupos), revelou «… neo-nazis e outros extremistas estão a entrar para as instituições militares em grande número para conseguir o melhor treino em armas, tácticas de combate e explosivos. Devíamos considerar isso como um problema grave de segurança: essas pessoas estão motivadas por uma ideologia que apela à guerra e revolução raciais»;
poderá ajudar a melhor entender aquela realidade.
O avolumar dos sinais preocupantes já começa a ser reconhecido até por quem menos se espera. Este é o caso do diplomata inglês, William Patey, que acaba de deixar as funções de embaixador no Iraque e que segundo a BBC terá informado o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, que vê como mais provável a eclosão de uma guerra civil de “baixa intensidade” e a fragmentação do Iraque do que o consolidação de um processo democrático naquele país. Esta opinião ganha ainda maior peso quando o comandante-chefe para o Médio Oriente, General John Abizaid, e o número 1 da Junta dos Chefes de Estado-maior, o General Peter Pace, corroboraram esta tese durante uma sessão da Comissão das Forças Armadas do Senado realizada no passado dia 3 de Agosto.
Agora que George W Bush e Tony Blair já não dispõem de uma figura como a de Al Zarqawi para responsabilizarem pelo clima de violência, sobre quem irão lançar as culpas?
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