terça-feira, 30 de maio de 2006

AVALIAÇÃO DE PROFESSORES? SIM, MAS...

A passada semana revelou-se fértil em notícias a propósito da educação; além da proposta do PSD para alteração do modelo de gestão escolar (comentada aqui) conheceu a apresentação de uma iniciativa governamental para a área da educação. Analisadas as propostas de forma imediatista, parece que o PS respondeu à iniciativa do PSD para “abrir” a gestão das escolas a não-docentes, com uma proposta para estender aos encarregados de educação a participação no processo de avaliação dos docentes.

Esta ideia, incluída pelo governo na proposta do novo Estatuto da Carreira Docente a discutir com os sindicatos, conheceu uma pronta resposta de repúdio por parte das estruturas representativas dos professores. Mesmo não se conhecendo na íntegra a forma como o governo pretende aplicar esta iniciativa, não me parece difícil concluir que em última instância o resultado será a degradação da imagem dos encarregados de educação e uma potencial fragilização dos esforços que as suas estruturas representativas vêm fazendo para fortalecer a sua posição no sistema de gestão das escolas. Quem, de bom senso, terá alguma dúvida dos efeitos “perversos” que resultariam da aplicação prática de uma tal ideia?

Como muito a propósito perguntava Eduardo Prado Coelho na edição de 29 de Maio do PUBLICO «…mas os pais avaliam o quê? Se os professores são bonitos ou feios? Se as professoras usam ou não as saias curtas? Se vão à escola regularmente?»

Fazendo todo o sentido que os professores sejam avaliados, na componente didáctica e pedagógica da sua actividade (por forma a que apenas exerçam essa actividade os profissionais dignos de tal designação), esta deverá ser assegurada por profissionais do mesmo ramo a quem sejam reconhecidas capacidades técnicas, pedagógicas e assertivas adequadas para a função. A proposta, nos termos anunciados, parece-me profundamente desadequado que para aquela avaliação sejam adicionados contributos dos encarregados de educação, tanto mais que os pais poderão manifestar a sua opinião caso exista uma verdadeira autonomia de gestão no processo de contratação de docentes.

A minha experiência enquanto membro de Associações de Pais diz-me que uma proposta desta natureza terá como efeito seguro uma degradação das condições de ensino e aprendizagem na generalidade das escolas, uma vez que os professores tenderão a reduzir ainda mais os seus já mínimos critérios de exigência por forma a obviarem “opiniões” menos abonatórias da generalidade dos encarregados de educação para quem, como se sabe, a preocupação única é o aproveitamento escolar no final do ano lectivo.

Contrariamente às estruturas representativas dos professores, que desperdiçaram uma excelente oportunidade para vir a público defender a qualificação dos respectivos membros, assumiram de pronto uma atitude profundamente corporativa; já a CONFAP (entidade que congrega grande número das associações de pais) revelou-se mais prudente; contrariamente ao que escreveram hoje jornalistas do PUBLICO e do JORNAL DE NOTÍCIAS que referem a congratulação daquele organismo, a minha interpretação de uma nota de imprensa publicada na página da CONFAP é a de que esta pugna pela defesa da ampliação da participação dos pais no processo de gestão das escolas. É óbvio que também se fizeram ouvir vozes defendendo a crescente habilitação dos encarregados de educação para participarem num processo daquela natureza, que julgo reflectirem mais opiniões pessoais e circunstanciais do que opiniões resultantes de um processo adequado de discussão do problema.

Não devendo estar, como já o afirmei, em causa a indispensabilidade de um processo de avaliação que possibilite uma selecção qualitativa dos melhores professores – acto absolutamente indispensável se quisermos vir a dispor de um sistema de ensino capaz de difundir competências e cultura nas próximas gerações – parece-me intempestivo transformá-lo numa espécie de “caça às bruxas” medieval. O que será de todo em todo em todo indispensável é agir no sentido de introduzir novos conceitos (e mentalidades) no processo de gestão das escolas, começando por garantir o empenho das estruturas representativas dos professores na formação de novas mentalidades no seu interior, que possibilitem uma progressiva aceitação dos encarregados de educação (e das suas estruturas representativas) enquanto parceiros efectivos no processo de gestão escolar, contrariando a actual situação em que estes são normalmente encarados como mais um empecilho.

Declarações ontem proferidas pela ministra da educação, Maria de Lurdes Rodrigues, e hoje referidas em notícias do DIÁRIO DE NOTÍCIAS e do JORNAL DE NOTÍCIAS, apontando situações concretas de má gestão e endossando a responsabilidade do insucesso escolar para os professores, apenas irá contribuir para exacerbar o clima de confronto para o qual estruturas como a FENPROF já manifestaram a respectiva disponibilidade.

Porém, nem tudo o que a ministra terá dito deve ser entendido como panfletário. Algumas das suas observações são pertinentes e entendíveis num sentido mais amplo do insucesso escolar. Veja-se a este propósito o interessante trabalho publicado na edição de domingo do JORNAL DE NOTÍCIAS, a propósito de um trabalho da autoria do sociólogo Ivo Domingues, segundo o qual mais de 70% dos alunos universitários recorrem ao “copianço” nos exames. Esta prática foi iniciada pelos jovens nos níveis de ensino anteriores e poderá resultar de factores como o peso excessivo que o nosso ensino atribui à memorização em detrimento da compreensão (e aqui sim, é determinante o papel desempenhado pelos professores) e da extensão dos programas (problema que deverá ser abordado entre professores e ministério da educação).

Mas, como estou em crer que o verdadeiro objectivo da proposta do novo ECD não é a inclusão dos encarregados de educação enquanto agentes avaliadores dos professores, esta questão será antes um mero artifício para vir a obter dos sindicatos cedências noutras matérias. Se entre estas se contar o aprofundamento do modelo de gestão escolar, com maior participação dos encarregados de educação, das autarquias e das comunidades locais, e uma tentativa séria para melhorar o funcionamento das escolas e uma efectiva melhoria nos níveis de aquisição de competências e aprendizagem, poderemos estar em vias de dar passos significativos para o futuro dos nossos filhos e, por via deles, deste país.

Para alcançar esta meta nem sequer me parece necessário introduzir grandes alterações nos modelos em vigor, bastando apenas que o Ministério da Educação, os sindicatos, os professores e as associações de pais se revelem empenhados em transformar o actual modelo de escola, de ensino e de participação. Sim, porque até esta data o interesse da grande generalidade dos encarregados de educação no processo de aprendizagem dos seus educandos tem sido diminuto, pouco construtivo e raramente produtivo. Nesta área da vida nacional, como em todas as outras, tem sido a fraca participação dos encarregados de educação a principal responsável pelo estado a que chegou o ensino no nosso país. Enquanto continuarmos confortavelmente instalados frente aos televisores em vez de participarmos na discussão dos problemas dos nossos filhos (e do nosso país), estaremos a permitir com o nosso laxismo actuações como as daqueles que nos últimos trinta anos conduziram o ensino em Portugal ao estado em que este se encontra.

De nada servirão algumas boas ideias e outras poucas boas intenções; apenas a mobilização dos interessados (principalmente dos pais e dos alunos) determinará a forma como se desenvolverão o ensino e a formação nos próximos anos.

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