Além dos inevitáveis considerandos sobre a forma como tem funcionado o sistema de ensino em Portugal, esquecendo que a maior parte do tempo foram responsáveis daquele partido a tutelar a respectiva pasta ministerial, propõe-se agora o PSD introduzir profundas alterações no modelo de gestão e autonomia das escolas de todos os graus de ensino. Em linhas gerais, a proposta do PSD pretende liberalizar a escolha do estabelecimento de ensino a frequentar pelos jovens, assim como o respectivo modelo de gestão que poderá, ou não, ser conduzido por uma personalidade exterior à escola.
Embora nada disto constitua verdadeira novidade, como muito bem recorda o DIÁRIO DE NOTÍCIAS num artigo que dedica ao assunto, pois já no tempo do ministro David Justino o governo de Durão de Barroso avançara com uma proposta idêntica, vejamos quais os possíveis efeitos práticos desta proposta.
A hipotética escolha de estabelecimento de ensino pelos encarregados de educação dos jovens apenas deverá produzir efeitos significativos nos centros urbanos de maiores dimensões, onde a oferta escolar não se limite a um único estabelecimento e onde exista uma rede de transportes que assegure cabalmente as necessidades de deslocação dos jovens; mesmo admitindo que seja crescente o número de cidades do país onde existe mais que uma escola a leccionar o mesmo grau de ensino, o que na realidade estará subjacente a uma proposta desta natureza é a possibilidade de numa segunda fase o Estado passar a subsidiar o ensino privado através de transferências para as famílias e quiçá numa fase posterior propor a privatização do parque escolar nacional.
Quanto à proposta de alteração do modelo de gestão escolar que permitiria encarregar da respectiva gestão uma personalidade exterior à escola, logo se fizeram ouvir as vozes contestárias das federações (educação e professores) e muito em especial no que respeita à possibilidade dessa escolha ser efectuada por uma maioria de não-docentes.
Para quem dedique, ou tenha dedicado, algum do seu tempo a acompanhar o percurso escolar do(s) seu(s) educando(s), integrando activamente as respectivas associações de pais, sabe que estas propostas enfermam por excesso de optimismo e/ou maquiavelismo. Optimismo quando parece admitir que existem profundas diferenças em métodos de gestão e ensino entre escolas e que os professores e as respectivas estruturas representativas aceitarão de bom grado abdicar dos privilégios (redução de horário de docência, privilégios na escolha dos horários, etc.) associados ao exercício da gestão escolar; maquiavelismo quando, em nome da livre escolha prepara cuidadosamente o terreno para a privatização de mais uma função fundamental do Estado – a educação e a formação dos seus cidadãos.
Curiosamente as duas medidas podem até revelar-se contraditórias, quando propõe mecanismos para dotar as escolas públicas de melhores equipas de gestão e simultaneamente cria mecanismos para desviar os alunos para outras escolas públicas ou privadas.
Não se creia com isto que a proposta do PSD não contenha virtualidades, nomeadamente a que cria a possibilidade das escolas virem a ser geridas por personalidades que não integrem o respectivo quadro docente.
Apesar de também aqui se notar o desconhecimento da forma prática como funciona o actual modelo de gestão escolar, quando se propõe que a escolha daquela personalidade seja efectuada pela assembleia de escola. O já referido artigo do DIÁRIO DE NOTÍCIAS diz especificamente que «O que o PSD quer é que o director passe a ser alvo de um processo de recrutamento, a cargo da assembleia de escola, que deverá ser constituída, na sua maioria, por elementos exteriores - desde pais a outras individualidades locais». Para que possa ser viável é indispensável que:
- a composição daquele órgão de gestão, como os restantes, deixe de apresentar uma maioria de docentes na sua composição;
- as autarquias assumam de forma clara e empenhada a sua participação na comunidade educativa local;
- os encarregados de educação adquiram uma representatividade condigna à sua posição de representantes dos interesses dos alunos;
- o tecido empresarial local entenda os benefícios que pode colher de uma melhor educação/formação dos seus futuros trabalhadores e que actue investindo (não só em termos financeiros mas também em disponibilidade) em conformidade com as potenciais vantagens;
- a representação naquele órgão seja estendida ao movimento associativo local, em particular às associações de caracter cultural;
- em caso algum a gestão administrativa possa colidir com a pedagógica.
Tanto quanto julgo saber, uma vez que não conheço em pormenor o texto da proposta de projecto de lei do PSD, estas condições encontram-se muito longe das perspectivas e pensamento dos redactores do projecto.
Mas, para além destas limitações existem ainda outras, que só quem nunca integrou um órgão de gestão escolar (assembleia de escola ou conselho pedagógico) é que pode ignorar, das quais destaco a necessidade de alteração a legislação complementar, como seja a legislação de trabalho, que possibilite efectivas condições para que os trabalhadores encarregados de educação possam comparecer às reuniões daqueles órgãos nas datas e horários para que são convocados. Nesta matéria não basta criar um diploma que preveja a participação dos encarregados de educação nos órgãos de gestão escolar, quando estes funcionam em horários laborais e aqueles não dispõem de qualquer cobertura legal que permita a sua comparência.
O actual estado de alheamento e desinteresse dos encarregados de educação pela vida escolar dos seus educandos não é apenas fruto de factores como os baixos níveis de escolaridade daqueles, nem uma cultura de generalizada apatia que a sociedade portuguesa vem revelando; outras justificações devem ser adiantadas como sejam:
- a crescente pressão a que os encarregados de educação são sujeitos nos seus locais de trabalho;
- o sentimento de impotência para fazerem valer as suas opiniões, resultante da posição de gritante minoria nos órgãos onde se fazem representar;
- a ausência de cobertura legal para as actividades de exercício obrigatório durante os seus horários de trabalho.
Poderá ser politicamente muito correcto apresentar propostas de legislação contemplando grandes ideais de liberalismo e de protecção à iniciativa privada, mas em termos práticos, na área da educação (como em muitas outras da vida das populações) o fundamental deveria ser garantir-se a existência de efectivas condições para a participação dos encarregados de educação, a existência de redes escolares eficazes, que sirvam as populações em proximidade e proporcionem, àqueles que dentro de uns anos estarão a debater-se com estes mesmos problemas, melhores competências para potenciarem a sua participação na definição dos futuros modelos que continuem a criar cada vez melhores e mais activas gerações de cidadãos.
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