quarta-feira, 24 de maio de 2006

SOBRE A GESTÃO DAS ESCOLAS

Conforme anunciado pelo Presidente do PSD, Marques Mendes, no discurso de encerramento do último congresso daquele partido, no passado dia 21 de Maio, foi ontem apresentada aos órgãos de informação uma proposta de projecto de lei para o ensino básico e secundário a submeter à Assembleia da República.

Além dos inevitáveis considerandos sobre a forma como tem funcionado o sistema de ensino em Portugal, esquecendo que a maior parte do tempo foram responsáveis daquele partido a tutelar a respectiva pasta ministerial, propõe-se agora o PSD introduzir profundas alterações no modelo de gestão e autonomia das escolas de todos os graus de ensino. Em linhas gerais, a proposta do PSD pretende liberalizar a escolha do estabelecimento de ensino a frequentar pelos jovens, assim como o respectivo modelo de gestão que poderá, ou não, ser conduzido por uma personalidade exterior à escola.

Embora nada disto constitua verdadeira novidade, como muito bem recorda o DIÁRIO DE NOTÍCIAS num artigo que dedica ao assunto, pois já no tempo do ministro David Justino o governo de Durão de Barroso avançara com uma proposta idêntica, vejamos quais os possíveis efeitos práticos desta proposta.

A hipotética escolha de estabelecimento de ensino pelos encarregados de educação dos jovens apenas deverá produzir efeitos significativos nos centros urbanos de maiores dimensões, onde a oferta escolar não se limite a um único estabelecimento e onde exista uma rede de transportes que assegure cabalmente as necessidades de deslocação dos jovens; mesmo admitindo que seja crescente o número de cidades do país onde existe mais que uma escola a leccionar o mesmo grau de ensino, o que na realidade estará subjacente a uma proposta desta natureza é a possibilidade de numa segunda fase o Estado passar a subsidiar o ensino privado através de transferências para as famílias e quiçá numa fase posterior propor a privatização do parque escolar nacional.

Quanto à proposta de alteração do modelo de gestão escolar que permitiria encarregar da respectiva gestão uma personalidade exterior à escola, logo se fizeram ouvir as vozes contestárias das federações (educação e professores) e muito em especial no que respeita à possibilidade dessa escolha ser efectuada por uma maioria de não-docentes.

Para quem dedique, ou tenha dedicado, algum do seu tempo a acompanhar o percurso escolar do(s) seu(s) educando(s), integrando activamente as respectivas associações de pais, sabe que estas propostas enfermam por excesso de optimismo e/ou maquiavelismo. Optimismo quando parece admitir que existem profundas diferenças em métodos de gestão e ensino entre escolas e que os professores e as respectivas estruturas representativas aceitarão de bom grado abdicar dos privilégios (redução de horário de docência, privilégios na escolha dos horários, etc.) associados ao exercício da gestão escolar; maquiavelismo quando, em nome da livre escolha prepara cuidadosamente o terreno para a privatização de mais uma função fundamental do Estado – a educação e a formação dos seus cidadãos.

Curiosamente as duas medidas podem até revelar-se contraditórias, quando propõe mecanismos para dotar as escolas públicas de melhores equipas de gestão e simultaneamente cria mecanismos para desviar os alunos para outras escolas públicas ou privadas.

Não se creia com isto que a proposta do PSD não contenha virtualidades, nomeadamente a que cria a possibilidade das escolas virem a ser geridas por personalidades que não integrem o respectivo quadro docente.

Apesar de também aqui se notar o desconhecimento da forma prática como funciona o actual modelo de gestão escolar, quando se propõe que a escolha daquela personalidade seja efectuada pela assembleia de escola. O já referido artigo do DIÁRIO DE NOTÍCIAS diz especificamente que «O que o PSD quer é que o director passe a ser alvo de um processo de recrutamento, a cargo da assembleia de escola, que deverá ser constituída, na sua maioria, por elementos exteriores - desde pais a outras individualidades locais». Para que possa ser viável é indispensável que:

  1. a composição daquele órgão de gestão, como os restantes, deixe de apresentar uma maioria de docentes na sua composição;
  2. as autarquias assumam de forma clara e empenhada a sua participação na comunidade educativa local;
  3. os encarregados de educação adquiram uma representatividade condigna à sua posição de representantes dos interesses dos alunos;
  4. o tecido empresarial local entenda os benefícios que pode colher de uma melhor educação/formação dos seus futuros trabalhadores e que actue investindo (não só em termos financeiros mas também em disponibilidade) em conformidade com as potenciais vantagens;
  5. a representação naquele órgão seja estendida ao movimento associativo local, em particular às associações de caracter cultural;
  6. em caso algum a gestão administrativa possa colidir com a pedagógica.

Tanto quanto julgo saber, uma vez que não conheço em pormenor o texto da proposta de projecto de lei do PSD, estas condições encontram-se muito longe das perspectivas e pensamento dos redactores do projecto.

Mas, para além destas limitações existem ainda outras, que só quem nunca integrou um órgão de gestão escolar (assembleia de escola ou conselho pedagógico) é que pode ignorar, das quais destaco a necessidade de alteração a legislação complementar, como seja a legislação de trabalho, que possibilite efectivas condições para que os trabalhadores encarregados de educação possam comparecer às reuniões daqueles órgãos nas datas e horários para que são convocados. Nesta matéria não basta criar um diploma que preveja a participação dos encarregados de educação nos órgãos de gestão escolar, quando estes funcionam em horários laborais e aqueles não dispõem de qualquer cobertura legal que permita a sua comparência.

O actual estado de alheamento e desinteresse dos encarregados de educação pela vida escolar dos seus educandos não é apenas fruto de factores como os baixos níveis de escolaridade daqueles, nem uma cultura de generalizada apatia que a sociedade portuguesa vem revelando; outras justificações devem ser adiantadas como sejam:

  1. a crescente pressão a que os encarregados de educação são sujeitos nos seus locais de trabalho;
  2. o sentimento de impotência para fazerem valer as suas opiniões, resultante da posição de gritante minoria nos órgãos onde se fazem representar;
  3. a ausência de cobertura legal para as actividades de exercício obrigatório durante os seus horários de trabalho.

Poderá ser politicamente muito correcto apresentar propostas de legislação contemplando grandes ideais de liberalismo e de protecção à iniciativa privada, mas em termos práticos, na área da educação (como em muitas outras da vida das populações) o fundamental deveria ser garantir-se a existência de efectivas condições para a participação dos encarregados de educação, a existência de redes escolares eficazes, que sirvam as populações em proximidade e proporcionem, àqueles que dentro de uns anos estarão a debater-se com estes mesmos problemas, melhores competências para potenciarem a sua participação na definição dos futuros modelos que continuem a criar cada vez melhores e mais activas gerações de cidadãos.

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