Com uma jactância quase igual á que mostrou Fukuyama[1] quando, nos finais dos anos 80, anunciou o “fim da história”, eis que surge agora Vasco Pulido Valente, anunciando na sua habitual coluna do PUBLICO[2] que o discurso proferido por Angela Merkel em Potsdam marca o fim da utopia europeia.
Não espanta que o autor, um prestigiado teórico nacional da mesma área de pensamento de Fukuyama, veja na declaração de falência do multiculturalismo alemão ou no renascimento da identidade francesa sinais da desagregação e morte da “solidariedade” europeia.
Os tempos de profunda crise económica, de avançada corrosão dos valores e elevadas incertezas, são, obviamente, propícios ao resurgimento dos princípios mais primários do nacionalismo e da intolerância ao que for diferente. Hoje expulsam-se os ciganos de França e da Itália, amanhã os turcos da Alemanha; hoje invectivam-se os muçulmanos, amanhã os de qualquer outro credo minoritário.
Líderes crescentemente populistas conduzirão os povos europeus a rejeitarem o que ignoram ou temem, o que desconhecem ou receiam; hoje ostracizam-se os mais fracos e um destes dias os mais fracos seremos nós... sobretudo por não termos sabido aplicar e defender o elementar princípio de “todos diferentes, mas todos iguais”. Mais grave ainda no caso francês, porque a geração que hoje dirige o país é aquela que originou o Maio de 68[3], e no caso alemão, povo que há menos de uma geração desfilava pelas ruas em defesa de princípios como a liberdade e a unificação nacional.
Escolhemos ser dirigidos pela intolerância e a incapacidade, plenamente representada nos Sarkozy, nas Merkel e nos Berlusconi que nos rodeiam, e orientados pelos arautos do “fim de qualquer coisa”, esquecendo que os que anunciam o fim dos tempos o fazem, normalmente, por incapacidade de anteverem o futuro... de sonharem a mudança...
É que, como em tempos escreveu o professor Rómulo de Carvalho, pela pena do poeta António Gedeão, «...sempre que um homem sonha o mundo pula e avança...» e é isso que cada vez mais parece assustar muita gente.
[1] Francis Fukuyama, filósofo norte-americano, que, na sequência da queda do Muro de Berlim, teorizou sobre a hegemonia do modelo de capitalismo liberal, considerando-o a solução ideal o que equivaleria ao anúncio do “fim da hsitória”. Na mesma linha de pensamento se integram os trabalhos doutro norte-americano, Samuel P. Huntington, que teorizou sobre o “choque das civilizações”, antecipando que os conflitos futuros perderiam a sua origem nacional para adquirirem uma componente civilizacional. Um e outro são normalmentre indicados como os principais teorizadores do chamado neoliberalismo.
[2] Ver a coluna de opinião de Vasco Pulido Valente na edição impressa do jornal do passado dia 22 de Outubro, intitulada «O Fim de uma Utopia»
[3] Sobre o movimento que ficou para a posteridade como o Maio de 68, ver os “posts” «MAIO DE 68 (parte I)», «MAIO DE 68 (parte II)» e «MAIO DE 68 (parte III – les soixante-huitards)»
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