quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O CÂNONE CESARIANO


Atingido que foi ontem o apogeu das comemorações do centenário da Implantação da República, esperemos agora que regressem à normalidade as febres republicanas e anti-republicanas que de repente parecem ter tomado conta das redacções de imprensa.

Como que a confirmar que até no melhor pano cai a nódoa, também um muito comedido analista económico, como o Prof. César das Neves, parece ter sido infectado por aquele vírus, pelo menos a atestar pela sua mais recente crónica no DN, onde sob o diáfano título de «O triplo cânone da injúria» e a coberto da sempre útil sanha maçónica (talvez por pudor tenha omitido a diabólica Carbonária), pretende convencer-nos que as recentes notícias[1] que ligam o Banco do Vaticano (cuja designação correcta é IOR – Instituto para as Obras Religiosas) a operações de branqueamento de capitais, não passam de manobras e calúnias anti-católicas.

Mesmo quando a informação disponível pouco mais refere que a abertura de inquéritos a dois dos principais responsáveis do IOR (o seu presidente, Ettore Gotti Tedeschi, e outro responsável do banco cuja identidade não foi revelada) de imediato virão à memória os acontecimentos que envolveram o Arcebispo Paul Marcinkus[2] (à época presidente do IOR), que culminaram em 1982 com a falência do Banco Ambrosiano e trouxeram à luz do dia ligações à famigerada loja maçónica P2, à Máfia e à democracia cristã italiana), factos juridicamente provados que muito dificilmente César das Neves poderá incluir num universo conspiratório.
A veemência e a argumentação, fundamentada em torno de uma teoria conspiratória, com que este insigne economista vem agora a terreno explicar as acusações de que volta a ser alvo a principal estrutura financeira do Vaticano é um fenómeno particularmente estranho – pois não só tenta mascarar a evidência, há muito conhecida e denunciada por jornalistas e outros investigadores, de que o IOR (por mais pias e santas que possam ter sido as intenções que levaram à sua criação e a origem dos fundos que movimenta) não passa de mais um “offshore” financeiro que se rege pelas pouco católicas regras daquele universo –, quando recordarmos um texto que o mesmo escreveu em Setembro de 2006 intitulado «As conspirações e o exílio da verdade», onde há sua maneira desmontava o fenómeno das “teorias da conspiração”.

Comparando a argumentação agora utilizada com a então usada apenas se pode concluir uma de duas coisas: ou o desespero e a ausência de melhores argumentos na defesa da honra das suas damas (a Igreja e a Alta Finança) levaram o Prof. a esquecer a sua repulsa pelas “teorias da conspiração”, ou o que escreveu para ridicularizar aquelas foi um discurso meramente circunstancial; num caso ou noutro também aqui parece ter prevalecido o interesse imediato em detrimento da fria e objectiva análise das situações.


Colocado sob o intenso foco das notícias que denunciam novas irregularidades das duas estruturas que tem por mais sagradas (se são antagónicas ou não isso é matéria para segundas reflexões), o autor, embalado pelas leituras da época e ofuscado pelo confronto entre República e Igreja deslizou para um discurso facilitista. É desonesto... mas humano!


[1] Entre outras, destaquem-se esta do LE MONDE ou esta do DN.
[2] A propósito de Paul Marcinkus e do escândalo do Ambrosiano, ver o “post”: «PAUL MARCINKUS»

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