quarta-feira, 14 de maio de 2008

MAIO DE 68 (parte II)

Para melhor compreender o Maio de 68 é indispensável uma breve resenha dos acontecimentos mundiais que o envolveram.

No Vietname, após a derrota das tropas francesas, reabriu-se a luta entre o Norte e o Sul e desde meados da década que o exército americano luta ao lado deste. No início de 1968 as forças comunistas do norte lançaram a ofensiva do Tet, levando o conflito a cerca de uma centena de localidades vietnamitas e dando um primeiro passo para a expulsão dos americanos de Saigão, que ocorreria em 1975.

A contestação estudantil remontava já ao ano de 1967, período em que se destacaram as manifestações na Alemanha contra a Guerra do Vietname e contra o status quo político e social, continuou em 1968, ano em que se registaria mesmo um atentado contra o seu principal líder – Rudi Dutschke –, e alastrou à Grã-Bretanha, à Itália, à Bélgica, a Espanha e a Portugal.

Em abono da verdade se diga que esta ideia de que o movimento estudantil alastrou de França para Portugal pode ser objecto de fundada polémica, uma vez que a contestação estudantil era já uma prática habitual durante o Estado Novo. Assim, a primeira grande movimentação estudantil da década de 1960 remonta ao ano de 61 quando o habitual jantar comemorativa do Dia do Estudante (então celebrado a 25 de Novembro) realizado em Coimbra terminou com uma manifestação pelas ruas da cidade e com a inevitável intervenção policial a que os estudantes responderam com maior mobilização e a criação de um Secretariado Nacional de Estudantes Portugueses e do primeiro Encontro Nacional de Estudantes que teve lugar em Coimbra. O ano de 1962 começa com a marcação de nova data para a comemoração do Dia do Estudante, aumento da repressão policial, a reposição do luto académico na sequência da ocupação policial da Cidade Universitária de Lisboa e a insistência dos estudantes em manterem activas as suas organizações representativas, pelas quais passaram alguns nomes hoje conhecidos na cena política (Jorge Sampaio, na época Secretário-Geral da Reunião Inter Associações, o já falecido Sottomayor Cardia) e na cena cultural (Fernando Rosa, historiador e deputado, Ruben de Carvalho, jornalista e autarca) nacionais.

Esta centelha de luta manter-se-ia até ao eclodir de nova crise em 1969, desta vez em consequência da prisão do Presidente da Associação Académica de Coimbra por este ter tentado discursar durante a cerimónia de inauguração do novo “Edifício das Matemáticas” da Faculdade de Ciências da Universidade daquela cidade. Assinale-se que apesar das limitações impostas pelo estado policial que então vigorava, já nesta data se começavam a constituir os embriões das primeiras associações de âmbito liceal (então designadas de pró-associações), sinal do evidente vigor que o movimento associativo estudantil registava e que em boa parte também contribuiu para a introdução nos quartéis, por via do elevado número de milicianos alistados, das primeiras sementes da revolta que viria a eclodir em 1974.

Retornando aos acontecimentos de 1968, registe-se que a eleição de Alexander Dubcek dá início na Checoslováquia a um processo de desanuviamento na ortodoxia comunista, que ficaria conhecido como a Primavera de Praga, a que apenas a invasão pela União Soviética põe termo, restabelecendo aquela ortodoxia.

Nos EUA acentua-se a contestação à Guerra do Vietname e registam-se os assassinatos de Martin Luther King, activista pelos direitos cívicos para os negros, e de Robert Kennedy, irmão do presidente John F Kennedy, assassinado em 1965, e candidato à eleição para a Casa Branca.

Os focos de agitação que se registaram um pouco por todo o Mundo culminaram no movimento de contestação dos estudantes franceses que marcou uma real alteração de mentalidades, de costumes e uma crescente abertura a novas ideias. O slogan «É PROIBIDO PROIBIR» influenciou o papel dos intelectuais e o aparecimento e a divulgação de trabalhos na área das ciências sociais e humanas tornou-se uma realidade de peso no mundo científico.

A par com a importante evolução de mentalidades que representou, o Maio de 68 foi ainda relevante para o aparecimento dos movimentos feministas e para a aceitação do princípio dos direitos das minorias, além de ter originado outros efeitos ao nível político-económico, como os já referidos aumentos salariais, incluindo o salário mínimo, e da redução dos horários de trabalho (conhecidos pelos Acordos de Grenelle e em cuja negociação se destacou Jacques Chirac[1]).

À convulsão social que representou ter-se-ão ficado a dever realidades hoje banais como os valores da autonomia pessoal, de criatividade, o primado da satisfação pessoal e a recusa das regras tradicionais que, agora enquadradas sob outra dinâmica económica, contribuíram para a evolução da mundialização que então se contestava para a globalização que agora conhecemos ou para a corrente altermundialista onde se acolhem os movimentos ecológicos, pacifistas e as ONG mais activas.

Em termos gerais o Maio de 68 foi a maior contestação contra a ordem instalada, com a especial singularidade de ter aliado a contestação intelectual à do mundo do trabalho assim se convertendo num dos grandes passos para a tomada de consciência da mundialização da sociedade moderna e para a contestação do modelo ocidental da sociedade de consumo.

Valores como generosidade, humanismo, ecologia e nacionalismo foram alguns dos conceitos valorizados por este movimento contestatário de 68, verdadeira antecâmara do que assistiríamos nos anos 70 e 80.

Por tudo isto, para muita gente nada ficou como antes de Maio de 68.
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[1] Membro da UMP, foi titular de várias pastas ministeriais, assumiu ainda por duas vezes o cargo de primeiro-ministro (1974/76 e 1986/88) e o de presidente da república entre 1995 e 2007.

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