Poderia o tema do momento deixar de ser as medidas do novo pacote de austeridade anunciado sem pompa, mas com a necessária circunstância, pelo primeiro-ministro José Sócrates e pelo ministro das finanças, Teixeira dos Santos?
Considerando que este é já o terceiro conjunto de medidas anunciadas para combater a crise – depois da primeira versão do PEC tivemos um chamado PEC II, que na altura apodei de PED (Programa Económico de Desendividamento), e agora algo mais parecido com um PEF (Programa para Esconder o Fracasso) –, sem que se continue a vislumbrar qualquer perspectiva de sucesso, quase me apetecia dizer que as medidas, definidas como “brutais” pelos partidos com assento parlamentar mais à esquerda, se parecem cada vez mais com a saga cinematográfica do Rambo: cada vez mais dramáticas e aterradoras, mas cada vez menos convincentes.
Se não, vejamos:
- as medidas de redução de salários na função pública, de redução de apoios sociais (abono de família, apoio na doença e no desemprego), de aumento de impostos (IVA e Segurança Social), de congelamento de pensões, etc, etc.... anunciadas como indispensáveis para recuperar a confiança dos mercados, são as mesmas que reduzindo novamente o já diminuto poder de compra dos portugueses irão agravar ainda mais as hipóteses de sobrevivência de muitas empresas e, consequentemente, aumentar as falências e o desemprego e reduzir as já pequenas hipóteses de crescimento da economia interna e do próprio PIB;
- o discurso compungido e o ar pesaroso dos políticos que as anunciaram poderão ter comovido os habituais espectadores das telenovelas que abundam pelos canais televisivos nacionais mas não os próprios parceiros europeus que pela voz do líder do Eurogrupo, o primeiro-ministro luxemburguês Jean-Claude Junker, fez sentir que a «Europa pede mais flexibilidade no mercado de trabalho português»;
- o próprio José Sócrates assegurou durante o anúncio das medidas que estas visavam satisfazer as expectativas dos “mercados” e assim contribuir para reduzir os custos crescentes com a dívida pública e não constituíam mais que a reprodução do que a vizinha Espanha e a Irlanda já tinham feito, mas ainda na passada semana o ECONÓMICO escrevia que «Espanha e Irlanda pagam mais caro para emitir dívida»;
e assim, uma vez mais e à semelhança dos bons alunos espanhóis e irlandeses[1], também venhamos a ver as agências de rating baixarem novamente a classificação da dívida portuguesa, o que tornará as medidas agora anunciadas ainda mais gravosas e injustas.
A crítica a mais este pacote de austeridade é tanto mais simples quanto em variadas ocasiões aqui tenho procurado chamar a atenção para outras alternativas e principalmente para o facto da crise que atravessamos resultar dos próprios fundamentos do modelo de desenvolvimento utilizado, pelo que não serão soluções minimalistas (embora profundamente pesadas do ponto de vista económico e social das camadas não privilegiadas da população) e que em momento algum põem em causa as verdadeiras origens do problema.
A triste conclusão a que teremos de chegar é que não só este pacote é injusto - por novamente voltar a centrar as medidas de austeridade sobre os menos favorecidos, como deverá constituir um forte incentivo a um novo período de retracção do PIB, facto que até já foi anunciado pela consultora Ernst & Young nas suas previsões de Outono para a Zona Euro e notícia no DN sob o título: «Economia volta a entrar em recessão já este ano» - como além de não constituir solução (como se pode comprovar pelas idênticas soluções aplicadas pela Irlanda, Espanha e Grécia) para o problema da crise económica irá agravar as condições de vida de um número crescente de portugueses.
Se dúvidas houvesse sobre a injustiça e o verdadeiro objectivo das medidas agora propostas e de que estas não constituem senão mais um passo no sentido de voltar a beneficiar aqueles que estão na origem dos verdadeiros problemas, bastaria ler o artigo do PUBLICO que assegura que «Seis em cada dez euros do esforço de contenção orçamental serão pagos por toda a população», os outros quatro serão distribuídos de forma igualmente enviesada entre a redução da actividade publica (três euros) e o conjunto das empresas, banca, detentores de maiores rendimentos e investidores mobiliários, “obrigados” a suportar o euro que falta.
[1] Recorde-se que a S&P baixou o rating irlandês em finais de Agosto e a Moodys procedeu esta mesma semana de forma idêntica com a classificação da vizinha Espanha.
Sem comentários:
Enviar um comentário