domingo, 18 de maio de 2008

MAIO DE 68 (parte III – os soixante-huitards)

Se ninguém poderá negar, qualquer que seja a sua orientação político-filosófica, a importância do movimento social que ficou conhecido como o Maio de 86, já não é de estranhar que quarenta anos volvidos os seus participantes (os soixante-huitards)[1] e os seus herdeiros se envolvam em polémicas mais ou menos acesas sobre os respectivos efeitos e a actuação perante estes.

Talvez uma boa forma de representar esta diferença geracional seja a aqui apresentada pelo cartoonista Michael Kountouris…

…que, concorde-se ou não, capta bem a diferença de valores entre as duas gerações.

Esta polémica tem-se até estendido aos próprios “soixante-huitards” que hoje se alinham em posições diferentes.

É óbvio que quarenta anos volvidos sobre o Maio de 68 os seus intervenientes apresentem e defendam pontos e vista diferentes, embora possa ser difícil entender alguns deles, convém não esquecer que a grande novidade daquele movimento foi precisamente a de introduzir uma abordagem de libertação do pensamento.

Enquanto em França se reacende o debate em torno do Maio de 68 e alguns dos seus intervenientes defendem hoje pontos de vista diametralmente opostos, esgrimindo argumentos que vão do quase revisionismo de André Glucksmann[2] até ao triunfalismo de Daniel Cohn-Bendit[3].

Enquanto este conhecido activista da época publicou recentemente a sua visão do Maio de 68 sob o título «FORGET 68», no qual assegura que o Maio de 68 ganhou culturalmente e perdeu politicamente, mas que o mais importante foi aquela vitória, Glucksmann - que há alguns anos se tem vindo a aproximar das teses neoconservadoras – assume que o Maio de 68 foi o principio da superação do pensamento marxista e que o seu verdadeiro espírito se encontra hoje entre aqueles que o querem ver enterrado, como é o caso do actual presidente francês, Nicolas Sarkozy.

Muitas são as opiniões e os pontos de vista que ao longo de quarenta anos têm sido produzidos e difundidos sobre o Maio de 68 (ou sobre a verdadeira revolução cultural que o mundo ocidental viveu nos finais da década de 1960), quer sob a forma de texto quer sob outras como o cinema e a música (não resisto a recordar aqui o filme «The Big Chill»[4], de Lawrence Kasdan, e muitas das composições de Léo Ferré[5]), mas parece-me especialmente adequado terminar com uma citação do último artigo de José Gil[6] na revista Visão:
«…talvez a característica mais singular de Maio de 68 seja a de ter mostrado que as aporias da história eram falsas: foi possível trabalhar, conviver, desejar, amar intensamente 24 horas por dia; realizar uma comunidade deixando toda a liberdade ao indivíduo; desenvolver relações humanas intensas, criativas, numa sociedade altamente desenvolvida (no plano científico, tecnológico, económico, etc.); conceber e realizar um outro ensino, uma outra educação, outros circuitos de produção e distribuição artística, teatral, cinematográfica. Milhares de estudantes e artistas trabalharam horas e horas durante um mês e forjaram esses novos projectos, alternativas democráticas realistas, exequíveis, economicamente possíveis. Montes e documentos foram produzidos – demonstrando que o impossível era o real.»
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[1] Um “soixante-huitard” é a forma de designar as pessoas que participaram nos acontecimentos do Maio de 68, ou mais abrangentemente aqueles cujos ideais são aparentados com os daquele movimento.
[2] André Glucksmann era em Maio de 68 investigador do CNRS - Centre National de la Recherche Scientifique (Centro Nacional para a Pesquisa Científica) como especialista de guerra de dissuasão e estratégia nuclear. Em diversos trabalhos desde então publicados, as suas opiniões foram derivando desde o maoísmo inicial até ao apoio à invasão americana do Iraque. Foi fundador dos think tank Cercle de l’Oratoire (grupo de opinião francês surgido após o 11 de Setembro de 2001, difusor de opiniões atlantistas e próximo dos neoconservadores) e do neoconservador PNAC (Project for the New American Century) e é apoiante de Nicolas Sarkozy.
[3] Daniel Cohn-Bendit é talvez a figura mais mediática, associada ao Maio de 68. De estudante universitário da época, tido como próximo das correntes anarquistas, é hoje eurodeputado pelo partido verde alemão, no qual ajudou Joschka Fischer a tornar-se vice-chamceler e ministro dos negócios estrangeiros da Alemanha entre 1998 e 2005.
[4] Em Portugal foi exibido sob o título «Os Amigos de Alex»
[5] Léo Ferré, foi um dos grandes nomes da canção francesa, ombreando com o seu contemporâneo Jacques Brel, que canções como "Thank You Satan," "Mon Général" e "Ni Dieu, Ni Maître" transformaram em ícone da geração do Maio de 68.
[6] Filósofo e pensador português natural de Moçambique, concluiu a licenciatura em Filosofia na Faculdade de Letras de Paris, na Universidade da Sorbonne, em 1968. Professor universitário em Portugal e França é também autor de diversas obras, artigos e ensaios científicos, sendo talvez de destacar um livro publicado em 2004: «Portugal, Hoje. O Medo de Existir», obra que aborda as questões do quotidiano de uma forma simples e acessível. Em 2005 foi considerado pela revista francesa Le Nouvel Observateur como um dos 25 grandes pensadores do mundo.

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