sábado, 9 de outubro de 2010

ENCOSTADOS ÀS CORDAS


Talvez sem grande espanto, na sequência das mais recentes medidas de austeridade anunciadas pelo governo de José Sócrates, as duas centrais sindicais acordaram (facto quase inédito) pela segunda vez na sua existência agendar uma greve geral conjunta.

Unidas sob a contestação às medidas de austeridade que além do aumento da carga fiscal indirecta incluem uma redução dos salários na função pública e nas empresas públicas, a CGTP (de tendência comunista) e a UGT (de tendência social democrata) pretendem transmitir um claro sinal de oposição à política económica e às soluções governamentais propostas para a crise que, no dizer do líder da UGT (citado nesta notícia do PUBLICO) «...não podem ficar de joelhos face às imposições das instituições internacionais» e ainda menos revelar desprezo pelos esforços exigidos aos cidadãos, como transparece da notícia que o Governo gastou 330 mil euros na contratação dos serviços de uma empresa de “lobbying[1] para influenciar as agências de rating...

Função que nem sequer estará a ser cabalmente desempenhada, pois o terceiro pacote de austeridade apresentado pelo Governo fundamenta-se nas dificuldades erguidas ao financiamento da dívida pública pelo sector financeiro, fruto da redução da notação de risco atribuída pelas referidas agências; apresentado como solução para agradar aos “mercados” e uma via para a redução da despesa pública, mas aquilo que logo ressalta do conjunto de medidas é que o seu efeito imediato se fará igualmente sentir na redução do poder de compra dos cidadãos e na retracção da economia nacional. Esta mesma conclusão foi também apresentada esta semana pelo FMI (instituição acima de qualquer suspeita neste tipo de matérias) que não hesitou em afirmar que «Austeridade vai empurrar Portugal para a recessão em 2011», pelo que não será descabido comparar as políticas do governo Sócrates com as velhas práticas médicas medievais, quando a propósito de toda e qualquer maleita os físicos não hesitavam em sangrar o paciente... até à morte se os sintomas persistissem.

Mas a decisão de reduzir salários (justificada pelo facto de outros países já assim terem procedido, mas calando a realidade de nem mesmo assim os “mercados “ se terem mostrado mais clementes), da forma como vai ser aplicada, não constitui apenas uma clamorosa injustiça social e uma medida de duvidosa eficácia e de segura degradação da situação económica em geral, antes representa a clara revelação do seu real objectivo.

Quando o Governo incluiu na medida o conjunto dos trabalhadores das empresas públicas (o chamado Sector Empresarial do Estado) cujos salários não constituem encargo no OGE, deixou cair a máscara da sua real intenção e da dos seus defensores, deixando claro que o objectivo é a redução do nível geral de salários na economia, o o seu objectivo deixa de ser o aumento da famigerada produtividade para passar a ser o do aumento dos lucros dos accionistas das empresas., por via de uma tendência para a redução de salários que não deixará de rapidamente se propagar pelo sector privado.

O sacrifício pretendido por José Sócrates não será apenas injusto, desnecessário e duplamente penalizador para os funcionários públicos (que à redução do salário verão juntar-se o aumento dos impostos indirectos, das contribuições para a Segurança Social e a subida da inflação), sê-lo-á ainda mais para os trabalhadores das empresas públicas, pois não só algumas são geradoras de lucros (facto que elimina pela base o mais elementar dos argumentos a favor da redução dos salários), como não representa qualquer contributo para a redução défice (o tal grande problema), mas apenas mais um contributo para a famigerada política enviesada de distribuição da riqueza.


Quando todos parecemos encostados às cordas – o Governo e o partido que o apoia, pela incapacidade de compreender uma crise global e não pelos mercados financeiros, como pretende o editorial de ontem do DN; os partidos da oposição da esfera do poder, pela incapacidade de verem além das vantagens tácticas que a crise lhe spoderá proporcionar; os restantes partidos da oposição, pela fragmentação e incapacidade de formularem uma alternativa político-económica credível; os sindicatos, pela incapacidade de entenderem mais que a defesa do emprego; a imprensa, porque há muito abdicou de critérios informativos em benefício das tiragens e dos lucros da publicidade; os cidadãos em geral que se sentirão aturdidos pelas decisões do Governo, confusos, quando não completamente alienados, pelo “ruído” que os circunda mas não os informa nem lhes dá voz – é que se revela a verdadeira importância das opiniões alternativas.

A plena consciência do que efectivamente representa a política económica do governo de José Sócrates não deverá servir de pretexto para que a iniciativa sindical redunde em fracasso, antes deverá servir para exigirmos dos responsáveis por aqueles organismos uma ainda mais clara definição de objectivos, pois que o simples “slogan” de luta por igualdade nos sacrifícios exigidos não reflecte minimamente a realidade que acabei de descrever.

Depois de uma greve agendada para data quase posterior à aprovação do OGE e da avaliação da respectiva participação é que será possível proceder a um balanço do sucesso da iniciativa, mas perante a evidência de que mais tarde ou mais cedo todos os sectores da economia serão atingidos por esta indignidade (a confirmá-lo veja-se que «CIP quer adiar salário mínimo de 500 euros para 2014») urge que desde já se comecem a contemplar outras formas de luta e resistência, nomeadamente mediante o recurso aquela pode ser a mais eficaz e demolidora – a greve de zelo.

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