sábado, 24 de julho de 2010

LEVAR COM A PORTA

Embora habitualmente se critiquem os meios de comunicação pela reduzida qualidade do serviço que prestam à comunidade, isso não constitui uma verdade absoluta e de quando em vez somos agradavelmente surpreendidos pela qualidade e pela oportunidade de alguns trabalhos jornalísticos, recordando tempos em que a imprensa constituía, justamente, um indispensável contrapoder.

Precisamente esta semana o WASHINGTON POST surpreendeu com a publicação de um extenso trabalho de investigação jornalística sobre o funcionamento das múltiplas agência de investigação norte-americanas (tema que abordarei a seguir) e com a divulgação do memorando com que Inga-Britt Ahlenius[1], ex-directora do Departamento de Serviços Internos de Supervisão (OIOS) da ONU abandonou aquelas funções.

Segundo a notícia, a especialista em auditoria, acusa o Secretário-geral, Ban Ki-moon, de sabotar o seu trabalho e de conduzir a ONU para uma era de declínio.

Polémicas aparte, Ahlenius não bateu apenas com a porta... fê-lo em cheio sobre a principal figura da ONU, que sempre tem procurado apresentar-se como um modelo de seriedade e transparência.

As suas declarações podem vir a revelar-se importantes quando no próximo ano houver lugar à recondução (ou não) de Ban Ki-moon, tanto mais que o chefe de gabinete do Secretário-geral já veio a público (e aos jornalistas) lembrar que “Ban fez muito pela ONU”[2]. Aquela mesma ideia é referida na notícia que o I publicou sobre o assunto, bem como o facto desta não ter sido a primeira vez que um alto funcionário da ONU tece duras críticas ao seu secretário-geral, pois já em 2009 tinha chegado à imprensa um memorando interno da autoria da embaixadora-adjunta da Noruega na ONU, Mona Juul,, no qual acusava Ban Ki-moon de ser um líder ausente, passivo e impotente

Assim, mesmo considerando que em quase todos os cargos que Ahlenius desempenhou se verificaram denúncias de idêntico calibre[3], a simples recordação de anteriores episódios e casos muito sombrios (como o célebre escândalo de corrupção que envolveu funcionários da ONU e o programa iraquiano que previa a troca de petróleo por alimentos) aumentam a credibilidade das críticas agora tornadas públicas.


[1] Inga-Britt Ahlenius é natural da Suécia, país onde desempenhou vários cargos nos ministérios do comércio, da indústria e das finanças, tendo entre 1993 e 2003 liderado o organismo de auditoria nacional sueco (o equivalente ao nosso Tribunal de Contas); na data da sua saída denunciou tentativas de limitação à independência daquele organismo. Após ter exercido as funções de auditora para o Kosovo, foi nomeada em 2005 para directora do Departamento de Serviços Internos de Supervisão (OIOS) da ONU, cargo em que seria reconduzida em 2007 pelo actual Secretário-geral, Ban Ki-moon.

[2] A notícia pode ser lida aqui, na página do LE FIGARO, e constitui, curiosamente, uma das poucas referências que sobre o assunto surgiram na imprensa francesa.

[3] Este facto e em especial a polémica após a sua saída da Auditoria Nacional Sueca, poderão explicar o facto da sua nomeação para o organismo de supervisão da ONU ter sido proposta pelos EUA e não pela Suécia, como teria sido natural.

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