E o pior é que os habituais custos das guerras, com o caudal de mortos, feridos, desalojados e demais vítimas, estão a revelar-se cada vez mais elevados, pois já não é só a questão dos biliões de dólares gastos directamente no esforço bélico, mas também as crescentes dúvidas sobre o processo de privatização da guerra (através de contratos celebrados entre o Pentágono e empresas privadas de segurança e de transporte) e as notícias que de quando em quando chegam a público sobre o “desaparecimento” de toneladas de material de guerra e de (literalmente) contentores de dólares.
Como se tudo isto não fosse suficientemente mau tivemos muito recentemente o rocambolesco episódio da demissão do comandante supremo, o general McChrystal, originado em comentários pouco abonatórios sobre a administração Obama, facto que ainda assim não impediu que este venha a beneficiar da passagem à reforma com a patente de general de 4 estrelas[1]; tudo isto quando se degrada à evidência o poder estabelecido em Cabul[2] e recrudescem as acções dos resistentes afegãos contra as forças de ocupação da NATO.
A posição do pró-ocidental Karzai revela-se cada vez mais enfraquecida, quer do ponto de vista político quer do ponto de vista ético, pela associação do seu meio-irmão, Ahmed Wali Karzai, e grande financiador das suas campanhas eleitorais ao tráfico de ópio.
Com a mudança de comando das tropas da NATO no Afeganistão, o evidente recrudescer do conflito e as recentes declarações do ministro da defesa alemão, que segundo o I ONLINE afirmou que a estabilização total no Afeganistão nunca será conseguida, parece cada vez mais evidente o famigerado cenário de mais um Vietname, com as tropas ocupantes remetidas às zonas urbanas e ás suas fortificações enquanto a resistência afegã, movimentando-se num complexo sistema de alianças locais, regionais e nacionais, controla o território, as populações e a administração local.
Enredado nesta teia de forças e de interesses o comando americano vê cair o moral dos seus soldados (o contingente americanos é claramente o maior de todos) enquanto se reduz o apoio dos seus cidadãos, que mais não fosse pelo elevadíssimo custo da intervenção (o valor actual já ultrapassará o bilião de dólares) e pelo efeito que esta está a ter no agravamento do défice público e na política de cortes orçamentais.
Como se não bastassem aqueles problemas, a recente substituição do comandante-chefe (obrigatória após as declarações que este fizera à revista Rolling Stone) e a crescente divisão entre os países membros da coligação, são outros óbvios sinais do avolumar de problemas.
A crescente oposição interna e as dificuldades para financiar o esforço de guerra terão estado na origem da estratégia de formação, treino e equipamento dum exército local, iniciativa que tem esbarrado na fraca adesão local e na reduzida fidelidade dos senhores da guerra comprados a poder de dólares.
Confrontados com a hostilidade das populações a quem prometeram uma rápida normalização e uma melhoria das condições de vida mas que geralmente acabam bombardeadas e com a facilidade com que os resistentes se movimentam, reabastecem e até obtém dos países vizinhos apoio logístico e a sabotagem das linhas de reabastecimento ocidental, as forças ocupantes devem preparar-se para uma quase inexorável derrota pois os afegãos dispõem, como vimos, de boas e fundamentadas razões para o seu sucesso, a que acrescem ainda as fragilidades próprias de um governo imposto e corrupto e as cada vez mais evidentes limitações financeiras dos ocupantes.
[1] Pelo menos é o que noticiou aqui o NEW YORK POST.
[2] O presidente Hamid Karzai, foi reeleito em Agosto de 2009 num processo rodeado de enorme contestação e com uma reduzidíssima participação (menos de 25% dos eleitores inscritos); a segunda volta eleitoral nunca chegou a realizar-se por o seu oponente (Abdullah Abdullah) se ter retirado sob a alegação de que não existiam condições de imparcialidade, tendo a comissão eleitoral declarado Karzai como vencedor.
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