Embora se tenha tornado comum dizer-se que já não existe jornalismo de investigação, de vez em quando ainda vai surgindo uma ou outra contestação a esta afirmação. Isso mesmo foi o que aconteceu em meados deste mês quando o THE WASHINGTON POST publicou um trabalho de investigação, efectuado por uma vintena de jornalistas, aos meandros do mundo da espionagem americana.
Sob o título genérico de TOP SECRET AMERICA, a equipa liderada pela jornalista Dana Priest expôs a ridículo o secretíssimo e sofisticadíssimo mundo da espionagem e da contra-espionagem na maior potência nuclear, revelando o caos e a anacronia que reina entre os especialistas que é suposto protegerem o “mundo livre” dos famigerados “terroristas” e demais maléficos espíritos que pululam em raiva e sanha contra as terras e os interesses do Tio Sam.
Os jornalistas asseguram que mais de 850 mil pessoas, repartidas por 1271 agências governamentais e 1931 empresas privadas, distribuídas por 10 mil locais diferentes nos EUA, coligem e analisam informação, fiscalizam a circulação de fluxos financeiros e produzem uns espantosos 50 mil relatórios por anos... que ninguém lê!
Mais, denunciam um universo de paranóia securitária onde os próprios espiões se espiam entre si (seja para assegurar o segredo, seja para suplantar a organização “rival”) a ponto de se ignorar a dimensão real de um “polvo” que além do ramo militar e público possui já tentáculos privados.
Há semelhança do registado nos teatros de guerra no Afeganistão e no Iraque, também no interior do seu próprio território e de áreas tão sensíveis a administração norte-americana não hesitou em entregar a empresas privadas tarefas relacionadas com a segurança interna.
E o cúmulo da hipocrisia são as declarações transcritas de altos responsáveis, como o secretário da Defesa, Robert Gates (o único elemento que transitou da administração de George W Bush para a de Obama), ou o director da CIA, Leon Panetta, quando se confessam preocupados com o papel das empresas privadas nas operações de recolha e tratamento de informação.
Esta questão não nunca deveria ter sido encarada de forma leviana, pois ao envolver questões de relevante interesse nacional e público – como é o caso da segurança dos cidadãos – não pode ser adjudicada a interesses particulares, como evidentemente são os dos accionistas e gerentes das empresas a quem estão adjudicadas aquelas tarefas.
A exposta multiplicação e redundância de serviços e funções parece não ter afectado particularmente as mais altas esferas da administração Obama e se o próprio THE WASHINGTON POST cita um responsável do Pentágono que, candidamente, terá afirmado que apesar de tudo é preciso lembrar que não voltou a haver nenhum grande atentado nos EUA depois do 11 de Setembro de 2001, já o director do National Intelligence (uma das agências de espionagem) não tem qualquer pejo em afirmar que a reportagem não espelha os serviços de informação como os conhecemos, o que nem sequer será de admirar pois no meio de semelhante confusão pouco mais deverão conseguir lobrigar que o seu próprio umbigo, o que me leva a concluir que a denúncia apresentada pelo THE WASHINGTON POST acaba por constituir um melhor serviço público que, a atestar pelas conclusões da investigação jornalística, aquele que as empresas de espionagem estão a cobrar aos contribuintes americanos.
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