quarta-feira, 30 de junho de 2010

PROMESSAS...

Ainda não tinham arrefecido por completo os lugares onde tiveram assento os grandes líderes políticos do G20, ainda menos fora integralmente assimilado a anúncio das medidas tomadas no conclave, nomeadamente o beatífico compromisso da redução dos défices públicos...

...para que de pronto começassem a surgir os primeiros comentários, com especial destaque para a crónica que Paul Krugman fez publicar nas páginas do The New York Times.

Sob o sugestivo título «The Third Depression»[1], o autor desfia o rosário de críticas a que já nos tem habituado sobre a opção de privilegiar as políticas públicas de combate aos défices em detrimento do apoio ao crescimento económico. Krugman nunca fez segredo da sua preferência pelas teses neokeynesianas, nem escondeu a sua opinião em defesa das políticas que induzam ou estimulem o crescimento económico, mesmo que à custa do crescimento dos défices, os quais (entende ele e os restantes neokeynesianos) se resolverão quando as economias apresentarem tendências estáveis de crescimento.

Sem querer aqui entrar em polémica ou em defesa de uma ou outra corrente, até porque entendendo as razões defendidas pelos neokeynesianos continuo convicto que estas são manifestamente insuficientes para a resolução de uma crise da magnitude e da profundidade da actual, espanta-me que Krugman não tenha aproveitado a oportunidade em que dissertava sobre as grandes depressões registadas nos últimos séculos (a do último quartel do século XIX e do início do segundo quartel do século XX) para produzir um único comentário sobre a também muito recente iniciativa de revisão da regulação financeira, promovida pelo Congresso norte-americano.

É que embora de limitado alcance, aquela iniciativa legislativa poderá revelar-se bem mais eficaz que todas as “promessas” assumidas ou assumir pelos governos dos países mais desenvolvidos. Criar na área financeira uma efectiva separação entre a actividade bancária e a actividade especulativa, sendo um pequeno passo pode muito bem vir a ser mais importante que todos os equilíbrios orçamentais.

Mesmo ciente que quase tudo continua por fazer, nomeadamente:

  • a recuperação para a esfera pública do poder de criação de moeda;
  • a proibição do “short-selling” e de outras práticas lesivas da transparência dos mercados de capitais
  • a pura e simples extinção dos “offshores” e da consequente panóplia de operações e manobras de mais que duvidosa legalidade e seguro prejuízo para a economia real;
  • a limitação do volume de contratos de produtos derivados em função da existência real dos activos subjacentes;

não se poderá negar a importância desta iniciativa que constitui apenas um passo no sentido do regresso à ordem jurídica anterior à paranóia da liberalização dos mercados de capitais[2], que hoje é já vulgarmente aceite como principal responsável pela crise financeira que eclodiu em 2008-2009.

Mesmo reconhecendo as grandes limitações da legislação que já é conhecida como “Volker Rule”[3], têm sido denunciadas por Nouriel Roubini que pela sua tibieza e pouca firmeza apelida a nova proposta de Glass-Steagal-Lite (Glass-Steagal Leve), não deixa de não ser triste, para nós europeus, vermos que a crise parece estar a ser encarada de forma mais adequada do outro lado do Atlântico que do nosso, agora que até já Joseph Stiglitz «Nobel de Economia diz que governos deveriam ter criado os seus próprios bancos» e isto quando assistimos a uma mudança na política monetária do Banco Central Europeu e ficamos a saber que «BCE corta fundos à banca e agrava crise no crédito».

Por esta andar (e mesmo com as grandes limitações que revela o “Volker Rule”) parece cada vez mais próximo o dia em que os grandes “gurus” da economia comecem a reconhecer a validade das ideias que pensadores menos reconhecidos vêm formulando há vários anos e que no essencial apontam para uma clara necessidade de reformulação do paradigma de funcionamento das economias modernas, reorientando-as para a esfera produtiva, limitando a actuação área financeira quer mediante a redução do poder de criação de moeda quer retirando-lhe a possibilidade do recurso a actividades especulativas completamente desligadas da economia real.

É evidente que isto não será a receita mágica para fazer regressar os “anos de abundância” (e em especial para as minorias que tanto têm lucrado com a desregulamentação e o clima de especulação sem limites) mas, em conjunto com a reestruturação dos aparelhos produtivos e o desenvolvimento de mecanismos económicos e sociais inclusivos (e não exclusivos como os que actualmente vigoram), deverá ser o passo significativo para apontar a necessidade de novo rumo.


[1] Entretanto o I publicou já uma versão traduzida que pode ser lida aqui.

[2] A nova legislação visa recuperar regras estabelecidas no Glass-Steagall Act de 1933 (lei da actividade bancária) que, no rescaldo da Grande Crise de 1929-1933, impunha a separação entre a actividade bancária comercial e a banca de investimento e que vigorou até 1999, data em que em nome da necessidade de maior concorrência entre as empresas financeiras (bancos e sociedades de investimento) e na defesa dos interesses dos bancos americanos face aos rivais estrangeiros menos sujeitos a regulação, pela administração Clinton, foi revogada pelo Financial Services Modernization Act.

[3] A designação resulta do facto de um dos seus grandes promotores ter sido o ex-presidente do FED e actual conselheiro de Barack Obama, Paul Volker.

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