Aliás, bastará pensar nas origens do conclave que reúne as economias mais ricas do planeta para descartar de imediato a hipótese de que algo de diferente possa surgir de uma reunião que junta os actores (e os assessores) do costume e que na sua maioria foram parte activa na construção do modelo económico neoliberal e globalizante que nos conduziu ao estado em que nos encontramos.
É evidente que “novidades” como a ideia da criação de uma taxa especial sobre o sector financeiro, o anúncio da suspensão dos “estímulos” às economias ou até a recente abertura chinesa a alguma revalorização do yuan, constarão do programa dos trabalhos, mas não será menos óbvio que a crise vai continuar a aprofundar-se face à improficiência das políticas quando não à absoluta incapacidade dos políticos tomarem qualquer tipo de decisão.
Muito se tem falado e especulado a propósito da questão do governo mundial (ideia particularmente cara aos dogmáticos da globalização) mas, para alívio global, os políticos que esses mesmos dogmáticos escolheram para apresentar como os grandes líderes mundiais continuam a revelar a maior das tibiezas quando se aproxima o momento da tomada de decisões.
Pouco habituados a alguma vez terem tido que pensar pelos seus próprios meios, rodeados de analistas, consultores, estrategas e demais “fazedores de reis” quase tão incapazes quanto eles próprios, sempre condicionados pelas famigeradas sondagens de opinião e receoso de se verem substituídos nos altos cargos, os grandes líderes mundiais vão-se reduzir ao gozo de mais um fim-de-semana de prazenteiras mordomias (sem esquecer a indispensável segurança reforçada) e à apresentação de uma declaração final tão auspiciosa, prometedora e inócua quanto as anteriores.
Entretanto as economias dos países que dizem dirigir vão continuar a degradar-se enquanto alguns assobiam para o lado ou miram, enlevados, as grandezas dos impérios moribundos. Entre mercados de capitais predadores, moedas e matérias-primas que não param de se valorizar ou desvalorizar ao sabor de boatos ou como mera reacção em cadeia, famílias asfixiadas pelo desemprego, pela queda real dos salários, pelo aumento dos custos do endividamento para que foram empurrados e pelos agravamentos fiscais já decididos ou em via de o serem, empresas que se debatem com falta de crédito e estados que caminham para a insolvência (política e financeira), os garbosos dirigentes do G20 vão continuar a revelar-se incapazes de ver que a gravidade e dimensão da crise global é muito maior que alguma vez sonharam (e ainda menos admitiram) e, consequentemente, de tomarem as medidas indispensáveis à correcção da situação.
Entretidos a discutir se devem ou não privilegiar o crescimento económico, continuando a endividar-se para injectarem cada vez mais recursos num sistema financeiro fraudulento, em detrimento de políticas orçamentais restritivas, que assegurem a recuperação dos equilíbrios há muito perdidos, pretendendo que esta não passa de mais uma crise conjuntural – quando na realidade ela é bem mais profunda, tão profunda que talvez nem a Grande Depressão o foi – e que dentro em pouco tudo terá regressado à normalidade.
Persistindo em ignorar os sinais que regularmente são emitidos e mistificando as populações cujo bem-estar e segurança se comprometeram a preservar, pretendem que repetindo as políticas neokeynesianas ou neoliberais (através de mais políticas expansionistas ou de novas políticas restritivas) acabaremos por ultrapassar a situação, ignorando (e tentando arrastar todos na sua visão) que o cerne da crise radica em dois pontos: uma distorcida política de redistribuição da riqueza (que há décadas vem agravando o fosso entre ricos e pobres e que tem empurrado camadas cada vezes maiores da população para a famigerada situação de sobreendividamento) e a concentração do poder de criação de moeda na iniciativa privada.
O avolumar das crises económicas nas últimas décadas já deveria ter feito soar há muito o alarme sobre a insustentabilidade de um modelo de crescimento económico assente quase exclusivamente na esfera financeira, mas a realidade (a dura realidade...) é que mais uma vez os bons rapazes tudo farão entre si para mudar o menos possível...
[1] Título original do filme de 1990, dirigido por Martin Scorcese, que passou nos cinemas nacionais com o título «Tudo Bons Rapazes».
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