sábado, 12 de junho de 2010

VÃO-SE OS LUSTROS...

Mais que nunca, na data em que se assinalam os 25 anos da adesão de Portugal à UE e na actual conjuntura, faz todo o sentido alguma reflexão sobre a matéria.

Ninguém negará a importância da entrada de Portugal na organização económica europeia, nem o que isso representou para a consolidação do modelo democrático num país que mal tinha cumprido uma década de experiência após um longo período de isolamento político e económico e, pior, de definhamento cultural.

Os progressos realizados, enormes desde que medidos em quilómetros de auto-estradas e em toneladas de betão disseminadas pelo território, estão à vista de todos, assim como a confrangedora indigência intelectual que nos guiou durante a maior parte do período.

Modernizaram-se as vias de comunicação (exclusivamente sob a forma de auto-estradas, porque a via férrea foi completamente ignorada e até as vias de comunicação local foram votadas quase ao abandono) e num par de décadas passámos a dispor dos mais modernos e rápidos meios difusão de informação (quase se poderia dizer que hoje não há quem não tenha telemóvel e internet), mas o nível cultural persiste em ser pouco melhor.

No capítulo social alargaram-se benefícios e estenderam-se regalias a franjas menos beneficiadas da população, mas desde a criação do SNS e o grande esforço então feito na generalização dos cuidados básicos de saúde que não tem faltado quem sob pretextos múltiplos tenha torpedeado a iniciativa, nem quem a tenha esvaziado do muito que poderia ter oferecido a pretexto das inegáveis (mas nunca demonstradas
[1]) vantagens das parcerias público-privadas.

Também no capítulo da educação os resultados alcançados nestes últimos cinco lustros deixam muito a desejar. Além do controverso Projecto Magalhães
[2] e do recente alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, que outros resultados se alcançaram além da mais que óbvia degradação das competências adquiridas pelos estudantes?

Mas todas as mudanças (positivas ou negativas) na sociedade portuguesa se deverão apenas ao efeito UE? ou, pelo contrário, a grande responsabilidade pelo desaproveitamento dos fundos de coesão não pode senão ser assacada a que os malbaratou?

Bem podemos agora clamar contra o facto mas a realidade, a bem dura realidade é que fomos nós os principais responsáveis quer do desaproveitamento da oportunidade para o lançamento de um verdadeiro processo de modernização da economia nacional, quer da exibição do pior dos servilismos com que nos prestámos (e apressámos) a dar apoio e cobertura às priores das decisões que Bruxelas tem tomado nos últimos anos, entre as quais se conta aquele indiscritível projecto de constituição europeia oportunisticamente transformado num tratado que, ironia suprema carrega o nome da nossa capital.

Para além do agora vulgarizado discurso da perda de soberania (vulgarizado pelos mesmos grupos político-partidários que desde a nossa adesão raramente ou nunca fizeram ouvir a sua voz para criticar ou contestar a transposição literal e acrítica dos normativos comunitários que têm destruído partes significativas da nossa identidade cultural) importa ainda referir que a principal das razões para o estado calamitoso a que chegou a UE nada tem ver (como se pretende fazer crer) com os problemas das dívidas públicas ou da moeda única, mas tão somente se deve à manifesta inépcia dos seus dirigentes.

E por isso é que perdidos os lustros dos anos faustos (ou que assim nos queriam fazer crer as loas que entre si trocavam os dirigentes) e comprovada a incapacidade de dirigentes nacionais e comunitários para enfrentarem de forma adequada e decidida a actual situação (começando pela recuperação do poder de criação da moeda, continuando com uma severa limitação dessa capacidade pelos bancos comerciais, com a erradicação dos “off-shores” e a proibição de produtos e práticas financeiras meramente especulativas) resta aos cidadãos comunitários efectivamente preocupados com o futuro da UE e dos respectivos países uma de duas opções: esperar um milagre de mais que improvável ocorrência ou, preferivelmente, o lançamento das bases para que numa acção concertada se logre a substituição dos responsáveis que até aqui nos conduziram por outros, que não os que ajudaram a criar esta situação, com projectos e estratégias adequados às necessidades da Europa e dos seus cidadãos.
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[1] A atestar por estas notícias da RENASCENÇA e da RTP, a posição do Tribunal de Contas é até bastante crítica.
[2] O Projecto Magalhães é uma iniciativa educacional orientada para o 1º ciclo da escolaridade obrigatória e visa equipar todos os estudantes daquele ciclo com equipamentos informáticos adequados à sua faixa etária e aos conteúdos escolares. A sua controvérsia começou logo desde o lançamento da iniciativa que nunca explicou as suas reais vantagens para os utilizadores (aparte a componente lúdica que outros resultados obtém uma criança que mal sabe ler e calcular de uma ferramenta informática) e continua com a questão da escolha do fabricante dos equipamentos.

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