sábado, 20 de setembro de 2008

BURACO NEGRO

O contínuo fluxo de notícias sobre as dificuldades que atravessa o sector financeiro internacional parece confirmar as perspectivas mais sombrias que alguns analistas[1] vinham apresentando desde meados de 2006.

Assim, quem pensou que após o apoio governamental às negociações que conduziram à entrada dos chineses do CITIC no capital do MORGAN STANLEY[2], à aquisição do BEAR STEARNS pelo JP MORGAN e a do MERRILL LYNCH pelo BANK of AMERICA a crise poderia estar minimizada, terá sofrido uma profunda desilusão quando o Tesouro americano anunciou a intervenção no FANNIE MAE e no FREDDIE MAC (os dois principais financiadores de bancos e outras empresas financeiras que concedem créditos hipotecários às famílias americanas) e se respirou com algum alívio à decisão da administração Bush de não contrariar a falência do LEHMAN BROTHERS, confiando nas virtualidades do mercado para resolver e absorver os efeitos da turbulência, que grande decepção terá sentido com a notícia de mais uma intervenção, agora na seguradora AIG.

E este cenário não se limita ao mercado norte-americano. Também o sistema financeiro inglês, fortemente atingido pela excessiva especulação imobiliária, já assistiu à nacionalização do NORTHERN ROCK[3] e nesta última semana, à compra apressada do HBOS (HALIFAX BANK OF SCOTLAND) pelo LLOYDS TSB[4].

É que se os primeiros sinais de fragilidade do sector bancário pareceram de fácil resolução (o FED e outros bancos centrais não têm parado de injectar biliões de dólares – qual colchão para aparar a queda, como muito a propósito o retrata o humorista Chappatte – nos mercados interbancários, enquanto vão ajustando as taxas na expectativa de atenuar a quebra de confiança que grassa naqueles mercados) o seu contágio para o sector segurador veio dar maior credibilidade aos cenários mais negativos e confirmar que se a origem da crise pode ser imputada à falência do mercado do “subprime” norte-americano, o seu desenvolvimento e aprofundamento deve-se exclusivamente ao mercado de incomensurável risco que constituem a profusão dos sofisticados produtos derivados que as empresas financeiras criaram e com os quais inundaram um mercado alheio às respectivas características e incapaz de avaliar (e prevenir) os respectivos riscos.

A miscigenação entre activos com níveis de risco muito díspares, a falta de “know how” de muitos dos operadores que negoceiam estes produtos e uma quase total ausência de escrúpulos (em grande parte determinada pela absurda regra da sobrevalorização dos resultados e do pagamento de chorudos prémios) por parte dos responsáveis pelas principais entidades financeiras, facilitada pela ausência de regulamentação destes mercados, terá estado na origem do efeito de contágio e de expansão da crise iniciada no mercado do “subprime”.

A grande sofisticação deste tipo de produtos financeiros e a sua difusão como se de um produto de cobertura de risco se tratasse, originou uma rápida e vasta dispersão pelas contas de quase todos os bancos por esse mundo fora. Ainda hoje quando se ouvem ou lêem declarações de políticos e de administradores de bancos que asseguram a reduzida exposição das suas economias (e das entidades financeiras que nelas operam) àquele tipo de produtos deverá continuar a ser encarada com as devidas reservas, na medida em que continuam por apurar os montantes envolvidos naquelas transacções e, inclusive, quais os instrumentos financeiros que integram ou não activos daquele tipo.

Para complicar ainda mais esta situação, o recente anúncio pelo secretário de estado do Tesouro da administração Bush, Henry Paulson, e pelo presidente do FED, Ben Bernanke, de que está em preparação um plano para a criação de uma agência governamental destinada a assumir as dívidas das instituições financeiras resultantes da crise que se atravessa, é um puro reconhecimento do fracasso da estratégia por eles seguida até agora e uma clara confirmação de que a vaga de falências não resulta apenas do rebentamento da bolha especulativa formada à volta do “subprime”.

Indiferentes aos esforços do FED, os mercados de capitais continuaram a registar quedas significativas, sendo de destacar as do GOLDMAN SACHS e do MORGAN STANLEY que pelo seu valor já são apontados como os próximos “gigantes” a cair, que talvez nem a irracional “euforia” da última sessão de bolsa da semana consiga evitar.

É que se para alguns analistas a espectacular recuperação da última sexta-feira constitui uma reacção natural e positiva ao anúncio da criação da agência de garantia e da decisão da SEC (o regulador do mercado norte-americano) de impor limitações à prática do “short selling”, para outros a iniciativa governamental vai demorar muito tempo até ser implementada (nunca antes do início do próximo ano e da entrada em funções da administração que será eleita em Novembro) e o sucesso que conheceu em anteriores crises pode não se repetir devido às características dos activos agora envolvidos.
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[1] Entre estes destaquem-se em especial os trabalhos que o “think tank” europeu LEAP apresentou e onde desenvolveu uma sequenciação para os acontecimentos que temos vindo a assistir.
[2] Notícia mais recente do DIÁRIO ECONÓMICO refere mesmo uma próxima fusão do Morgan Stanley com o Wachovia e posterior venda do conjunto ao CITIC
[3] Curioso o título da notícia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS que aproveitou para referir que o Northern Rock custa 4660 euros a cada inglês.
[4] Ver aqui a notícia do GUARDIAN.

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