domingo, 3 de agosto de 2008

FIM DO CICLO DE DOHA?

Ninguém estranhou o fracasso da última ronda de conversações patrocinada pela OMC[1] e inserida no ciclo de Doha[2]. Entre os participantes trocaram-se as habituais acusações com os países do Norte a acusarem os do Sul de não reduzirem as barreiras alfandegárias e estes a acusarem os primeiros de não eliminarem as políticas de subsídio aos agricultores de forma a possibilitarem a entrada dos bens agrícolas produzidos no Sul, mas no fundo toda agente terá ficado muito satisfeita com este resultado.

Os EUA e a UE não precisarão de enfrentar os riscos políticos de novos cortes nos subsídios aos respectivos agricultores e os países menos desenvolvidos não se sentirão ainda mais forçados a integrar um processo de trocas comerciais do qual não têm obtido senão reduzidos ganhos. A constante aproximação de interesses entre EUA, a UE e as grandes multinacionais que controlam o mercado mundial é vista pelos pequenos países como um processo do qual apenas poderão resultar ainda maiores danos.

Embora para os principais órgãos de comunicação ocidental as principais razões do fracasso sejam conhecidas e facilmente identificadas:

  • Cláusula de salvaguarda – garantia que assegura aos países em desenvolvimento o direito de proteger as suas economias de aumento súbitos de importações a baixo preço; a Índia quer fixar o limite em 10% enquanto os EUA pretende 40%;
  • Direitos alfandegários – o Japão não abdica das elevadas taxas (por vezes mais de 100%) com que protege a produção interna de arroz, mas alinha com os EUA e a UE na proibição da aplicação de taxas alfandegárias protectoras de sectores económicos (o Japão aplica uma taxa elevada sobre a importação de arroz, mas não sobre a generalidade dos produtos agrícolas e opõe-se a que outros países apliquem taxas protectoras, por exemplo, sobre produtos químicos em geral);
  • Algodão e bananas – os países produtores pretendem ver reduzidos os subsídios à produção pagos aos agricultores americanos e europeus e as taxas com que a UE protege os acordos bilaterais estabelecidos com algumas regiões produtoras (África-Caraíbas-Pacífico) enquanto os europeus querem ver protegidas as denominações de origem (Gruyére, Champagne, Cognac, etc.), pretensão a que os restantes países se opõem;

nem por isso a generalidade deles deixa de apontar outras razões conjunturais como a crise económica que atravessamos e a escalada generalizada dos preços para o fracasso[3].

Ainda que possa vir a ser sujeito a confirmação, há mesmo quem afirme que talvez tenhamos ficado melhor sem acordo que obrigados a um mau acordo…

Depois, o resultado dos esforços da OMC não pode deixar de ser observado à luz da que parece começar a ser uma nova realidade na ordem internacional – o crescente estabelecimento de acordos políticos e económicos de natureza bilateral, em substituição dos esforços globalizantes da OMC.
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[1] A OMC (Organização Mundial do Comércio) é uma organização internacional que trata das regras sobre o comércio entre as nações, cujos membros negociam e assinam acordos ao abrigo dos quais se passa a regular o comércio internacional. Sucedeu ao extinto GATT (General Agreement on Trade and Tarifs) que foi criado no final da II Guerra Mundial como organismo dinamizador do comércio entre as nações e funciona mediante a organização de sucessivas rondas de negociação através das quais os estados-membros vão concertando posições até ao acordo final.
[2] Nome por que ficou conhecido o processo negocial patrocinado pela OMC, iniciado em 2001 após a conclusão em 1993 do Ciclo do Uruguai (Uruguai Round na terminologia anglo-saxónica).
[3] A título de exemplo veja-se este artigo da BBC NEWS e as declarações de Pascal Lamy (o director geral da OMC).

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