segunda-feira, 30 de julho de 2007

POLÍTICA E DESPORTO – A MESMA ÉTICA

A queda dos padrões éticos (principalmente num “mundo” sempre tão pouco transparente como o da política internacional) há muito parece estar a generalizar-se a outros sectores da vida humana.

Até em sectores, como o desporto, onde deveriam imperar arreigados princípios éticos este fenómeno se tem vindo a generalizar. Quem não tem acompanhado o “folhetim” em que se converteu a mais importante prova ciclista mundial – a Volta à França – que levou até o humorista Schneider a realizar este “cartoon”?


Não está apenas em causa o descrédito de uma modalidade desportiva, mas também o de milhares praticantes e tudo isto, em nome de quê? De chegar primeiro? não, de vender mais!

A imoralidade do recurso ao “doping” é idêntica, embora menos gravosa que a do recurso ao fomento de conflitos para assegurar a venda do respectivo armamento.

Acham que ninguém seria capaz de fazer isso?

Então vejam o recente exemplo das notícias[1] que dão conta da venda à Arábia Saudita, pelos EUA, de 20 mil milhões de dólares de armamento, durante os próximos 10 anos, sob o argumento da necessidade de apoiar os estados árabes moderados para contrariar a tendência hegemónica do Irão.

Como se não bastassem os chorudos lucros que a indústria armamentista está a obter à conta de guerras como a do Afeganistão e do Iraque (que ninguém de boa fé refutará que foram desencadeadas por exclusivo interesse norte-americano), ainda vai poder vê-los aumentados com o argumento de que há que combater a instabilidade na região...

Nesta situação, como em tantas outras, nada acontece de forma isolada e assim, poucas horas após o anúncio deste importante “contrato”, eis que a mesma fonte[2] anuncia o aumento das vendas de armamento a Israel, cujo valor actual se situa em cerca de 2,4 mil milhões de dólares anuais. Para não deixar desprotegido o seu “amigo” de sempre, a administração Bush vai aumentar em 25% aquele valor anual (atingindo os 30 milhões de dólares nos próximos dez anos) e assim assegurar a manutenção da supremacia militar na região.

A evidente contradição que constitui o armamento da Arábia Saudita, conhecendo-se as ligações entre o movimento “wahhabita[3] e a Al-Qaeda e a instabilidade do próprio regime saudita, o difícil entendimento de como poderá este opor-se ao Irão e a situação em todo o Médio Oriente aponta para a necessidade de procurar outro tipo de explicação para esta decisão, tanto mais que recentes declarações de Zalmay Khalilzad[4] denunciando o menor empenho da Arábia Saudita na resolução do conflito no Iraque vêm contrariar os pressupostos do acordo.

A menos que se considere a benesse do novo armamento como contrapartida para uma alteração na política saudita, traduzida num maior apoio à posição norte-americana e no endurecimento das medidas contra o movimento “wahhabita”.


Num mundo onde os princípios foram substituídos pelos interesses particulares e estes mudam ao sabor de ventos e marés, todas as hipóteses são plausíveis e merecedoras de atenção e reflexão. Por exemplo, para fechar o ciclo desporto-política-desporto, e se a recente vitória da selecção iraquiana de futebol na Taça Asiática não tivesse passado de uma manobra política para tentar desviar a atenção da situação naquele país e acalmar alguma animosidade ocidental contra o regime saudita? É que a vitória foi alcançada sobre a selecção da Arábia Saudita...
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[1] Ver notícia da BBC aqui
[2] Ver notícia da BBC aqui
[3] Wahhabitas, são os membros de uma seita islâmica composta pelos seguidores de Muhammad bin abdul Wahhab, que no século XVIII iniciou um movimento de carácter puritano e extremista, que com o apoio da família Saud (a família real saudita) logrou uma posição de dominância na região. O puritanismo wahhabita (à semelhança do ramo salafita, dele derivado) é partidário do uso de violência até contra outros ramos islamitas (sunitas e xiitas) e tem feito uso das suas grandes disponibilidades financeiras para difundir por diferentes regiões os seus ideais; habitualmente o movimento “taliban” e a Al-Qaeda são considerados como próximos dos ideias wahhabitas.
[4] Zalmay Khalilzad é o actual embaixador Americano na ONU e as declarações podem ser lidas aqui.

1 comentário:

antonio ganhão disse...

A mim disseram-me: produtividade acima de tudo!

Agora também querem príncipios? Isso atrasa-me.