Não há praticamente um dia sem que nos meios de comunicação surja uma notícia, um comentário ou uma simples referência à Ota[1].
Mesmo quando aquelas se repartem entre quem defende o projecto e quem o contesta, o número de pessoas que lhe permanece indiferente é cada vez menor e muitos que inicialmente até concordavam com o encerramento do Aeroporto da Portela já se estarão a questionar sobre a questão. É óbvio que a sucessiva desmontagem de argumentos como o do esgotamento da capacidade da Portela, os elevados custos de construção de um aeroporto na zona da Ota, a menor qualidade de navegabilidade aérea da região, o risco acrescido que constituirá a construção de um aeroporto internacional a uma cota mais baixa que as edificações existentes na rota de descida, o total desfasamento da nova estrutura aeroportuário com a rede viária e ferroviária existente, tem tido o seu peso, acrescido ainda pelo facto do governo e dos defensores do projecto persistirem sem apresentar efectivas e concretas razões para a sua opção.
Ciente dos muitos “problemas” que rodeiam a ideia de construir um aeroporto internacional na Ota, não me espanta que até Cavaco Silva já tenha vindo a público chamar a atenção para a necessidade de melhor fundamentar a opção e da apresentação de estudos que realmente demonstrem a validade desta opção. Mesmo admitindo que Mário Bettencourt Resendes possa ter razão quando chamou a atenção, num artigo à dias publicado, que o Presidente da República «bem necessitado estava de encontrar uma área de distanciamento face ao Governo. A direcção do PSD, debilitada internamente e com enormes dificuldades em fazer frente a Sócrates, recebeu as palavras de Cavaco como "pão para a boca". Ou seja, corre-se o risco de transformar em arma de arremesso político-partidário uma questão de desenvolvimento estratégico» e que questões estratégicas como a que se debate o deveriam ser num ambiente tão isento de querelas partidárias quanto possível, a gravidade de uma decisão errada e a sua irreversibilidade é um risco incomportável para um país que na últimas décadas já malbaratou milhares de milhões de euros noutras obras de fachada.
Para a triste história do nacional-porreirismo despesista, iniciado no século XVIII com o célebre episódio dos carrilhões para o Convento de Mafra e continuada nos anos 60 e 70 do século passado com os estaleiros navais da Lisnave e da Setenave (concluídos após a reabertura à navegação do Canal do Suez), com a construção de uma vasta rede de auto-estradas (em detrimento de um mais adequado investimento numa moderna rede ferroviária), do Centro Cultural de Belém (obra faraónica que marcou a primeira presidência portuguesa da Comunidade Europeia), da Expo 98 (da qual pelo menos se aproveitou a recuperação de uma zona ribeirinha do Tejo) e da Ponte Vasco da Gama (bonita de ver da Expo, não de todo em todo inútil mas menos necessária que a ligação ao Barreiro), fica a esperança que tenha culminado com a insanidade que foi a construção de dez estádios de futebol para o Euro 2004 e que não continue com algo tão controverso como um aeroporto na Ota.
Mas, a avaliar por notícias como a que dá conta que uma designada Associação pró-Ota (que integra reputados técnicos e profundos estudiosos e conhecedores das matérias em questão, como Moita Flores, Silvino Sequeira e Paulo Caldas - presidentes das câmaras de Santarém, Rio Maior e Cartaxo, respectivamente - e José Eduardo Carvalho, da Associação de Empresários da Região de Santarém) veio lançar o apelo para um rápido início das obras de construção do novo aeroporto, sob o fortíssimo argumento de que «se o Governo recuar neste projecto é um Governo medroso».
Contra argumentos irrefutáveis, como o citado, como entender a notícia do EXPRESSO, que sob o título «Engenheiros chumbam Ota» dá conta de um documento assinado por mais de uma centena de engenheiros (professores do Instituto Superior Técnico) que refuta a inevitabilidade e a urgência da opção Ota?
Talvez apenas usando a lógica contrária à de que se socorreu José Niza quando escreveu no jornal O RIBATEJO: «Se os Velhos do Restelo tivessem levado a sua avante, nem à Madeira teríamos chegado! Raio de país este: nem levanta voo, nem sabe aterrar!»
Por mim, prefiro ser “Velho do Restelo” que levantar voo em mais um projecto megalómano e que apenas poderá aterrar de forma ruinosa.
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[1] Uma pesquisa na página PortugalDiário registava hoje cerca de quatro centenas de entradas enquanto o Google regista mais de trezentas mil.
2 comentários:
Meu caro, em seu entender qual deveria ser o valor máximo para um investimento em Portugal?
Já ensaiámos essa via. Há pouco tempo éramos um país sem pontes, sem auto-estradas, sem CCB, sem...
Não lhe parece estranho que a OTA esgote em 30 anos e o da Portela seja inesgotável?
A questão não está em definir montantes máximos para o investimento público, mas sim norteá-lo segundo rigorosos critérios de avaliação custo-benefício.
Quanto ao "esgotamento" da Portela recomendo a leitura de alguns dos "posts" anteirores sobre o assunto e a de uma interssante compilação de textos sobre o assunto: O ERRO DA OTA
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