Talvez os mais incautos assim o creiam ou talvez seja mesmo indispensável acreditar em milagres. Certo é que, de parte a parte, existem fortes razões para que uma política de desanuviamento entre os dois países seja uma realidade, mas não é menos verdade que os pontos de divergência parecem não cessar de aumentar.
Se é inegável que a ocupação americana do Iraque contribuiu, e muito, para fortalecer a posição regional do Irão e que, exageros à parte, as ambições nucleares iranianas têm servido igualmente para converter este país numa verdadeira potência regional, não é menos verdade que este estatuto não foi ainda reconhecido pela generalidade dos próprios parceiros regionais e que as explicações para este clima de aparente desanuviamento deverão ser procuradas nos próprios EUA e nas suas “lutas” internas, porque talvez só assim se explique o facto de parecer agora que o presidente George W Bush está a seguir as recomendações do célebre relatório da Comissão Baker, enquanto mantém um “braço de ferro” com o Congresso sobre questões ligadas à intervenção militar no Iraque.
Se aparentemente a facção menos beligerante dos “neocons”, para muitos corporizada pela secretária de estado Condoleezza Rice, estará a superiorizar-se aos partidários do vice-presidente Dick Cheney, nada de concreto garante que esta situação se mantenha, nem que os “falcões” israelitas não venham a provocar novos desequilíbrios.
Como várias vezes tenho referido, para o melhor e para o pior, a pacificação do Médio Oriente passará sempre pela questão palestiniana. E relativamente a esta como estão as coisas a desenvolver-se?
Após a acalmia induzida pelo desaire que foi a invasão israelita do Líbano no Verão de 2006 e enquanto Israel continua a procurar os responsáveis por aquela situação, ao governo liderado pelo Hamas na sequência das eleições legislativas do início daquele e que Israel, EUA e UE se recusaram a reconhecer, sucedeu-se um outro, em consequência de um acordo entre a Fatah e o Hamas e apadrinhado pela Arábia Saudita. Resultante da necessidade de pôr termo ao bloqueio institucional e económico decretado pelo Ocidente, este governo de unidade nacional prontamente se viu relegado à mesma situação do anterior quando Israel e EUA mantiveram a estratégia de recusa de contactos com elementos do Hamas.
Pior, o agravamento das condições no interior dos territórios palestinianos (com especial referência para a faixa de Gaza) acabou por originar o início de confrontos entre partidários da Fatah (nacionalistas laicos) e do Hamas (islamitas). Para este clima de confronto aberto também não terão sido estranhas outras interferências, como a americana e a egípcia, que poderão ter pressionado a Fatah a encarar o confronto como solução para o impasse e deverão estar a financiá-lo e a armá-lo. A própria fragilidade dos líderes dos dois grupos, Mahmoud Abbas pela Fatah e Ismail Haniyeh e Khaled Meshal pelo Hamas, não está a facilitar em nada o fim dos confrontos.
À impotência dos palestinianos, povo que há duas gerações se bate para ver reconhecido o seu direito a existir, para contrariarem a política desumana que Israel tem vindo a implementar há agora que juntar a inexistência de uma liderança forte e a grande probabilidade de ocorrência de um banho de sangue fruto de uma guerra civil que paradoxalmente parece fruto da segunda Intifada e do fracasso da táctica negocial de Yasser Arafat para a criação do Estado Palestiniano. Ao insucesso de Arafat correspondeu o sucesso de Ariel Sharon que (graças ao apoio dos EUA) logrou montar uma estratégia de minar a Autoridade Palestiniana, conjugada com o alargamento dos colonatos e o a permanente criação de um número cada vez mais de limitações às movimentações no interior dos territórios palestinianos, conduziu à total asfixia da débil economia palestiniana.
Após a morte de Arafat a Fatah liderada por um Mahmoud Abbas demasiado comprometido com Israel e os EUA e o Hamas, dividido entre a liderança interna de Ismail Haniyeh e a que no exterior mantém Kaled Meshal, têm-se envolvido num combate que extravasou já a esfera política; a Fatah, na ausência de um líder forte e carismático, viu-se derrotada num processo eleitoral que, apesar de classificado pelos observadores ocidentais que o acompanharam como totalmente democrático, foi rapidamente ultrapassado pela inqualificável política norte-americana de bloqueio.
Com os Acordos de Oslo definitivamente enterrados e o aproveitamento da Guerra contra o Terror lançada pela administração de George W Bush para aumentar ainda mais a pressão sobre o governo palestiniano do Hamas têm-se criado as condições para o recrudescimento da violência na região. Exemplo disto mesmo é o recente cenário de confrontos entre o exército libanês e os milicianos da Fatah al-Islam (movimento dissidente da Fatah Intifada, esta já dissidente da Fatah), nos campos de refugiados palestinianos de Aïn El-Héloué ou de Nahr Al-Bared, no Líbano.
A tentativa renovada pela Arábia Saudita em finais de Março para relançar a proposta de paz apresentada pela Liga Árabe em 2002, conhecida como o Plano de Beirute, que prevê uma solução para cada um das três mais importantes questões – Jerusalém, fronteiras e refugiados – propõe:
- a retirada israelita de todos os territórios ocupados na sequência da Guerra dos Seis Dias (1967) - Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental e os montes Golã sírios;
- o reconhecimento de um Estado palestiniano com Jerusalém como capital e concordar com o direito ao regresso dos refugiados palestinianos;
- o reconhecimento por todos os países árabes e muçulmanos do direito à existência do Estado de Israel dentro de fronteiras seguras e estabelecimento com este de relações diplomáticas plenas;
esta proposta, que Israel prontamente repudiou pela voz da sua ministra dos negócios estrangeiros, Tzipi Livni, poderia ser uma interessante base de trabalho; talvez a única neste momento, caso os EUA, UE e a Rússia se interessem verdadeiramente por encontrar uma solução para a pacificação no Médio Oriente.
Os contactos agora restabelecidos entre os EUA e o Irão poderão ser um primeiro sinal positivo nesse sentido, embora o número de incógnitas ainda seja grande enquanto se aguardam mais reacções da Síria (ainda e sempre particularmente interessada no Líbano e na recuperação da soberania sobre os Montes Golã que Israel ocupa), do Egipto (particularmente interessado na destruição da principal força de oposição islamita interna, o movimento dos Irmãos Muçulmanos) e da própria Arábia Saudita, cujo regime sofre enormes pressões de facções religiosas islamitas, como é o caso dos wahabitas (facção mais extremista do ramo sunita).
2 comentários:
Infelizmente mais uma grande trapalhada, connosco a comer por tabela, boa semana.
Meu caro, os Israelitas saíram do Líbano, mas os ataques aos campos de refugiados continuam, agora pelo exército Libanês.
Que fazem os soldados portugueses? Não é seguramente proteger as populações dos campos de refugiados! Não será antes proteger a retaguarda do exército Libanês contra uma resposta da Síria?
Pelos vistos esta é uma área onde a Europa consegue projectar forças militares, sem os americanos para lhes mudar as fraldas, o resultado, infelizmente, não é muito diferente para as populações locais...
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