domingo, 26 de novembro de 2006

O NOVO MÉDIO ORIENTE

Continuam os massacres e os assassinatos no Iraque. Embora não se trate de uma novidade, esta semana aconteceu em Bagdad um dos atentados mais mortíferos desde o início da ocupação americana. Contabilizando mais de 160 mortos em resultado de uma sucessão de explosões de carros armadilhados em plena Sadr City, bastião xiita na capital do país; entre trocas de acusações as duas comunidades religiosas continuam a espiral de violência e vingança, enquanto o governo de Al-Maliki revela cada vez maiores dificuldades para a controlar.

Dos atentados inicialmente dirigidos aos exércitos ocupantes e aos iraquianos que com estes colaboravam, passou-se para a generalização da violência. No início a administração americana apontava a dedo e diabolizava o “terrorista” Al-Zarqawi, mas com este morto a onda de violência longe de decrescer alastrou-se a todos os sectores da população iraquiana.

Todos… todos… não tem sido bem assim! Um dos grupos étnicos mais representativos – o dos curdos – parece relativamente imune a esta tendência. Será que as notícias que vão circulando sobre uma possível fragmentação do Iraque há muito são conhecidas dos dirigentes curdos?

É bem possível se atentarmos no facto de que algumas dessas teses já datarem de há alguns anos e que a própria constituição iraquiana, recentemente aprovada, prevê a transformação num estado federado.

Enquanto o novo cenário político americano, fruto das recentes eleições para a Câmara de Representantes e para o Senado, continua a ser “digerido” pela administração de George W. Bush e na imprensa surgem com maior frequência referências à necessidade de “diálogo” (aliás em consonância com as próprias declarações de Bush e do seu inseparável Blair), crescem as notícias sobre o que no terreno está a acontecer às populações iraquianas. Fontes americanas estimam em largos milhares os iraquianos que têm vindo a migrar para as zonas onde predomina a sua etnia ou a sua facção religiosa, seja como mecanismo de protecção seja por “pressão” dos seus “rivais”.

Nos EUA a comissão criada por iniciativa da administração para estudar soluções para o “problema do Iraque” e onde pontua o ex-secretário de estado de George Bush (pai), James Baker, deverá publicar as conclusões do seu trabalho no próximo mês de Dezembro, mas desde já começaram a circular hipóteses e especulações sobre este trabalho, parcialmente alimentadas pelo próprio James Baker que publicamente revelou excluir a hipótese de divisão do país.

Assim, as duas opções mais ventiladas: 1) uma versão modificada do plano de retirada defendido pelo “think tank” Center for American Progress, que consiste em deslocar as tropas americanas para os países vizinhos, a partir dos quais realizariam apenas surtidas rápidas em território iraquiano enquanto a administração procuraria resolver o caos instalado por via diplomática (incluindo negociações com a Síria e o Irão), é a designada por “Desdobrar e conter”; 2) a opção apelidada de “Estabilidade primeiro” consiste em definir como tarefa prioritária a estabilização e pacificação de Bagdad, procurando em seguida expandi-la a todo o país e foi primeiramente sugerida por Kenneth Pollack, da Brookings Institution; deveriam permitir um processo de pacificação até se atingir um acordo para a distribuição das riquezas petrolíferas do Iraque.

Ao que tudo indica a “comissão Baker” deverá apontar para uma solução onde a estratégia militar dê lugar a uma outra centrada na diplomacia e na concertação entre o maior número possível de partes envolvidas no problema, restando saber até que ponto a actual administração americana e o grupo dos neo-conservadores estará disposta a ceder.

Que este grupo nunca dispôs de um plano alternativo à simples invasão e deposição de Saddam Hussein, está mais que provado.

Pior ainda, é que ninguém na administração Bush admitiu a hipótese dos “marines”não serem recebidos em apoteose nas ruas de Bagdad, o que explica a dificuldade e a lentidão de reacção aos movimentos de resistência que de forma simplista foram imediatamente associados à Al-Qaeda e nunca identificados como verdadeiros movimentos de resistência à ocupação estrangeira. A provar isto é que nem a morte de Al-Zarkawi, apresentado pelos EUA como o representante no Iraque da Al-Qaeda, contribui para diminuir o número e a intensidade dos ataques.

Quando duramente confrontados com esta realidade os ideólogos neo-conservadores terão desenterrado um velho plano de construção de um “Novo Médio Oriente”, relançando o princípio do “caos construtivo”. Como confirmação desta realidade vejam-se as declarações da secretária de estado Condoleezza Rice aquando da inauguração do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan e mais tarde durante a invasão israelita do Líbano, quando classificou os bombardeamentos que aquele país sofreu como “as dores de parto” do tal “Novo Médio Oriente”.

Uma versão deste “Novo Médio Oriente” começou a circular nos meios militares da NATO desde meados deste ano, sendo a sua autoria atribuída a um semi-obscuro militar americano na reserva, de nome Ralph Peters, e objecto de publicação no Jornal das Forças Armadas.

Como se pode ver pela imagem, as grandes alterações propostas são a fragmentação do Iraque e da Arábia Saudita (retirando ao clã Saud o controlo dos importantes lugares religiosos de Meca e Medina), a criação de dois novos estados (o Curdistão e o Baluchistão), a expansão do Líbano e da Jordânia; tudo isto alcançado à custa de redução de estados como o Irão, a Síria, o Afeganistão, o Paquistão e a Turquia (a fixação das fronteiras de Israel anteriores a 1967 é apenas a aplicação das determinações da ONU que aquele estado tem sistematicamente violado com o beneplácito americano).

Uma primeira observação que de imediato ressalta desta proposta é preocupação americana em fragmentar os estados que têm assumido candidaturas ao papel de potências regionais, melhorar a posição de dominância que tem adquirido junto dos novos estados do sul da ex-União Soviética e de melhorar a posição de segurança do estado de Israel.

Embora aparente uma posição de força face ao Estado de Israel, traduzida no regresso às fronteiras anteriores a 1967, na realidade a expansão de estados amigos, como o Líbano e a Jordânia, representará um aumento da segurança daquele. Ainda mais marcante é o facto de com tantas alterações e constituição de novos estados nada ser fixado relativamente ao estado palestiniano, pelo que se presume que será intenção do autor manter a situação daquele território em total dependência do estado judaico.

Quando da apresentação deste mapa numa reunião da NATO, a Turquia fez de imediato saber a sua oposição, não sendo de estranhar que muitos outros estados sigam o exemplo daquele, caso semelhante proposta venha a ver oficialmente a luz do dia.

De uma forma ou de outra, os problemas que a administração americana enfrenta no Médio Oriente são cada vez maiores e não me parece que esta disponha, no momento, da força indispensável para impor uma ideia como esta, tanto mais que ela pode até ser vista como um fortalecimento da necessidade da opção nuclear iraniana.

Perante um cenário desta natureza, e mesmo que a ideia do “Novo Médio Oriente” não siga à risca o mapa apresentado, não restam dúvidas que a actual presença das tropas americanas no Iraque não resultou do combate ao “terrorismo” e ainda menos do perigo potencial que pudesse representar Saddam Hussein, mas sim da necessidade de controlar não só as fontes de hidrocarbonetos mas principalmente os seus fluxos, representados pelos oleodutos e portos de carga e descarga, no Mediterrâneo e nos Golfos Arábico e Pérsico (sobre esta questão ver entre outros este “post”) e por via destes o crescimento das economias asiáticas emergentes.

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