O artigo assinado por Vasco Graça Moura, ontem publicado no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, levanta uma interessante questão a propósito de um tema recorrente para o autor – a necessidade de oposição/destruição do programa nuclear iraniano.
Proponho-me hoje deixar totalmente de lado a questão da discussão em torno da legalidade à oposição ocidental a um programa nuclear que o Tratado de Não Proliferação Nuclear admite e que o organismo internacional encarregue da vigilância e monitorização da sua aplicação – a AIEA – afirma dentro dos limites previstos naquele acordo, bem como toda a envolvente geopolítica que de há anos a esta parte os EUA e a Grã-Bretanha vêm construindo em torno daquele país e da sua aparente insaciabilidade em torno da questão do controlo das fontes e formas de distribuição dos hidrocarbonetos.
Objectivamente existe no texto uma outra referência que julgo dever merecer toda a atenção, seja pela sua pertinência seja pela forma directa como o autor a coloca – a necessidade de um exército europeu.
Escreve Vasco Graça Moura que para a Europa «[a]s soluções diplomáticas dos conflitos são sistematicamente advogadas, mesmo quando está à vista que vão falhar rotundamente, numa fé que raia a irracionalidade quanto a alguns dos interlocutores», não que se trate de uma via a abandonar «…por muito remota que seja, como de facto é, a probabilidade de elas terem êxito. Simplesmente deveria também assentar numa estratégia militar comum e não descurar uma política comum de armamento e defesa…» e avança como justificação para este vazio militar o facto disso assustar «…os cidadãos e, sobretudo, uma juventude que cresceu embrulhada em algodão-em-rama e vota a partir dos 18 anos. A Europa tornou-se a maior exportadora do planeta da ideologia dos direitos humanos e todos ficam muito satisfeitos com isso, como se isso bastasse».
Mesmo considerando os antecedentes históricos que transformaram a Europa no palco de dois grandes conflitos no passado século e o natural anseio por paz e tranquilidade dos cidadãos europeus há duas questões que julgo igualmente pertinentes e oportunas de debater agora.
A primeira tem a ver com a opção pela via diplomática como forma de resolução de conflitos que, excepção feita a uns EUA que continuam a glorificar o modelo do “dispara primeiro e pergunta depois”, pode e deve ser o modelo de referência a usar em qualquer parte do Mundo, mas, como muito bem salienta Vasco Graça Moura, a diplomacia só representa efectiva eficácia se em seu complemento existir um aparelho militar real e forte.
A segunda prende-se com o modelo desse mesmo aparelho militar.
Pessoalmente sempre entendi que o segundo passo da União Europeia, após a introdução de uma moeda única, seria a criação de um exército único.
Mas que tipo de exército? Um que resultasse do somatório dos exércitos de cada estado-membro, ou um criado de raiz, organizado em moldes de eficácia e equipado com vectores bélicos tecnologicamente de ponta.
E a quem seria atribuído o comando desse exército? Repetir-se-ia o modelo de rotação semestral entre os estados-membros (como acontece com o aparelho político) ou procurar-se-ia o “melhor homem para o lugar”, independentemente da sua nacionalidade?
Nestas matérias é que se deve falar de tibieza europeia, mas de uma tibieza resultante tanto do medo de tomar decisões, quanto da dificuldade na obtenção de consensos.
Aliás, basta olhar para o caso português para entender a dimensão da tarefa. Quando estão a completar-se dois anos desde que o governo de Santana Lopes pôs fim ao chamado Serviço Militar Obrigatório (19 de Novembro de 2004) que o nosso país está confinado a um sistema de constituição das suas forças armadas baseado na capacidade de atracção dos jovens para o exercício daquela actividade. Na prática abandonou-se o conceito de “povo em armas” para passarmos para uma figura muito mais sofisticada – a do mercenário.
Esta constatação, seguramente pouco atractiva para os corpos profissionais das forças armadas portuguesas, julgo-a bem real, mas contrariamente a Vasco Graça Moura não creio que tenha resultado do facto da juventude ter sido criada «embrulhada em algodão-em-rama», mas fundamentalmente do facto desta se ter apercebido da completa inutilidade que era a prestação de um serviço militar totalmente desfasado da realidade. Não pela inexistência de modelos alternativos, mas porque quem nos tem governado parece muito mais interessado num minúsculo e ineficaz exército que noutra solução.
Exemplos não faltam, de países onde o serviço militar é obrigatório, mas desenvolvido segundo uma perspectiva distinta. Esta poderá passar por algo como um treino básico e circunscrito num período curto de tempo, ao qual se sucedem sucessivos períodos de exercícios regulares, por exemplo uma ou duas semanas por ano, que asseguram o acompanhamento da evolução tecnológica do equipamento e simultaneamente garantem a operacionalidade de todos os participantes até à idade da desmobilização.
Paralelamente com este modelo de organização deveria ser assegurado que todos os estados-membros da União Europeia se dotariam de material militar de desenvolvimento europeu (alem das inegáveis vantagens de natureza táctica e estratégica, somar-se-iam as de natureza económica e as resultantes da pesquisa, ensaio e produção do equipamento) o que asseguraria um mais fácil e rápido entrosamento no quadro de um exército europeu e minimizaria a hipótese de um país não europeu, fornecedor de um qualquer vector, influenciar a operacionalidade deste exército. Como claro exemplo desta situação veja-se o caso da Suécia, país europeu cuja tradicional neutralidade nunca o impediu de dispor de um exército moderno, eficaz e equipado, exclusivamente, com material de fabrico próprio (segundo eles única forma de garantir a sua efectiva neutralidade).
Terminando ainda com uma referência ao texto de Vasco de Graça Moura, é óbvio que a estratégia europeia «…deveria também assentar numa estratégia militar comum e não descurar uma política comum de armamento e defesa que a evolução da situação «…» torna cada vez mais urgente», não por causa do Médio Oriente, do Irão, da Coreia do Norte (como pretende o autor) ou dos problemas originados pela actuação dos EUA, mas porque mais importante que as sucessivas etapas do alargamento da União Europeia parece-me ser a sua consolidação ao nível diplomático e militar.
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