quinta-feira, 23 de novembro de 2006

SERMÃO DE UM LIBERAL AOS CONSERVADORES DESMORALIZADOS

Mesmo não sendo meu hábito aqui transcrever textos de outros autores, deparei-me há dias com um que me parece merecer amplamente esta excepção.

Numa tradução livre, aqui deixo uma carta[1] escrita por Michael Moore, o realizador de filmes como «Bowling for Columbine» e «Fahrenheit 9/11» e autor de livros como «Brancos estúpidos e outras desculpas esfarrapadas para o estado da nação», endereçada aos conservadores norte-americanos no rescaldo das eleições realizadas este mês.

«Terça-Feira, 14 de Novembro de 2006

Aos meus Irmãos Conservadores,

Sei que estão desanimados e desiludidos com os resultados das eleições da semana passada. Estão preocupados que o país tome o rumo errado. A vossa Revolução Republicana de 12 anos terminou e ainda ficou tanto por fazer, tantas promessas por cumprir. Estão “de rastos” e compreendo-os.

Animem-se meus amigos! Não desesperem. Tenho boas notícias para vocês. Eu, e os outros milhões que agora mandamos com o nosso Congresso Democrata temos promessas que vos queremos fazer, uma lista de promessas que vos oferecemos porque vos apreciamos como amigos Americanos. Vocês merecem saber o que planeamos fazer com o poder agora ganho – e, para ser específico, o que faremos por vocês e para vocês.

Eis o nosso Sermão Liberal aos Conservadores desmoralizados.

Caros Conservadores e Republicanos,

Eu, e os meus co-signatários, aqui deixamos as seguintes promessas para vós:
  1. Respeitaremos sempre as vossas crenças conservadoras. Nunca, mas nunca, vos chamaremos “antipatrióticos” apenas pelo vosso desacordo connosco, nós encorajar-vos-emos a discordarem de nós.
  2. Deixar-vos-emos casar com quem quer que seja que vocês queiram, mesmo quando alguns de nós considerarmos a vossa opção “diferente” ou “imoral”. Não temos nada a ver com quem quer vocês casem. Amem e apaixonem-se – é um situação maravilhosa.
  3. Não gastaremos o dinheiro dos vossos netos segundo os nossos desejos pessoais ou para enriquecer os nossos amigos. São as vossas contas e equilibrá-las-emos para vocês.
  4. Quando em breve trouxermos de volta os nossos filhos e filhas do Iraque, também traremos os vossos filhos e filhas. Também merecem viver. Prometemos que nunca enviaremos os vossos filhos para a guerra baseados num erro ou numa mentira.
  5. Quando fizermos da América a última democracia Ocidental a oferecer cobertura universal de saúde, e todos os Americanos puderem dispor de assistência quando adoecerem, prometemos que também vocês poderão consultar um médico independentemente da vossa capacidade para o pagarem. Quando a pesquisa em células estaminais possibilitar a cura de doenças que vos afectem ou aqueles que vos são queridos, garantiremos que esses avanços da medicina estejam disponíveis para vós e para as vossas famílias.
  6. Apesar de vocês se terem oposto à regulamentação ambiental, quando conseguirmos despoluir o ar e a água, nós, a maioria Democrata, deixar-vos-á respirar o ar puro e beber água pura.
  7. Se alguma massacre aniquilar 3.000 pessoas no nosso território, nós dedicaremos todos os recursos para capturar e apresentar à Justiça os responsáveis. Imediatamente. Nós proteger-vos-emos.
  8. Nunca bisbilhotaremos o vosso quarto ou o vosso ventre. O que lá fizerem, como adultos conscientes, é da vossa responsabilidade. Continuaremos a determinar a vossa idade a partir da data do nascimento e não a partir do momento da concepção.
  9. Não vos confiscaremos a vossas armas de caça. Se necessitarem de uma arma automática para matarem um pássaro ou um veado é porque não serão lá grandes caçadores e talvez devessem escolher outro desporto. Tornaremos as nossas ruas e escolas tão livres dessas armas quanto pudermos e protegeremos os vossos filhos como protegeremos os nossos.
  10. Quando aumentarmos o salário mínimo, pagar-vos-emos – e aos vossos empregados – esse novo salário. Quando finalmente as mulheres receberem salário igual ao dos homens, estenderemos também esse benefício às mulheres conservadoras.
  11. Respeitaremos as vossas convicções religiosas, mesmo quando não aplicarem na prática essas mesmas convicções. Na realidade procuraremos activamente promover os vossos princípios religiosos mais radicais (“Bem aventurados os pobres”, “Bem aventurados os mansos”, “Amem os vossos inimigos”, “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no Reino dos Céus” e “O que fizerem pelo mais pobre dos meus irmãos é como se o fizessem a mim”). Faremos saber aos habitantes dos outros países que Deus não abençoa apenas a América mas todos os países. Desencorajaremos a intolerância religiosa e o fanatismo – começando pelo fanatismo entre nós, mostraremos um bom exemplo ao resto do Mundo.
  12. Não toleraremos políticos que sejam corruptos, comprados e pagos para beneficiar os ricos. Perseguiremos tudo e qualquer líder eleito que se coloque acima do povo e prometemo-vos privilegiar a punição dos políticos corruptos do nosso lado. Se o não fizermos vocês lembrar-no-lo-ão. O facto de estarmos no poder não nos dá o direito de pretendermos que tudo está bem do nosso lado. Por favor, desempenhem esta importante tarefa enquanto oposição leal.

Prometo-vos tudo isto porque este também é o vosso país. Vocês são tão Americanos como nós. Estamos todos juntos nisto, salvamo-nos sou afundamo-nos juntos. Obrigado pelos anos que têm trabalhado para o país e por nos darem esta oportunidade para tentarmos melhorar as coisas para os 300 milhões de cidadãos Americanos – e para o resto do mundo.

Assinado,
Michael Moore
»

Em jeito de comentário - espero que a leitura tenha produzido mais que alguns sorrisos. Como é hábito em Michael Moore (e importante em praticamente todas as situações) há que reflectir após a leitura em muito do que aqui deixou sob a forma de mensagem de consolação. Bom seria se realmente houvesse algum país que assim fosse governado.

Utopia à parte, recordo aos mais optimistas que as maiorias Democratas na Câmara de Representantes e no Senado americano não constituem qualquer forma de garantia de inversão na política da Casa Branca. A mudança de atitude americana só será efectiva quando a pressão (interna e externa) a torna obrigatória.

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[1] A versão original encontra-se aqui

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