domingo, 12 de novembro de 2006

AS ELEIÇÕS AMERICANAS

Para muita gente o acontecimento da semana terá sido a vitória do Partido Democrata nas eleições americanas, que atingiu uma dimensão de “derrocada” para os rivais Republicanos e traduzida em novas maiorias nas duas câmaras legislativas (Representantes e Senado), porém, para mim o verdadeiro acontecimento foi o facto inédito na história dos EUA de um acontecimento externo ter podido determinar o voto nas suas eleições domésticas.

Há muito que era conhecida a queda de popularidade do presidente George W.Bush, mas muita gente nas hostes republicanas nunca terá equacionado um resultado tão negativo, a ponto de ter determinado no mesmo dia a demissão de Donald Rumsfeld, o muito criticado secretário de estado da defesa responsável pela situação americana no Iraque.


Quase todos os comentadores locais e estrangeiros associaram o resultado eleitoral à política americana para o Médio Oriente e em especial à situação no Iraque, a que nem a recente condenação à morte de Saddam Hussein, no culminar de um muito suspeito processo judicial conduzido por um tribunal Iraquiano, parece ter atenuado.

Esta explicação, apesar de aceitável, parece-me pecar por simplista e mistificadora. A situação de guerra que a população americana vive no Iraque não constitui verdadeira situação de novidade, pelo que o número de mortos nas suas fileiras não deverá ter tido o peso que se lhe atribui. Senão vejamos: desde o final da II Guerra Mundial, em meados do século passado, os americanos têm vivido constantes e permanentes cenários de guerra; à Coreia sucedeu-se o Vietname e além destes dois, outros pequenos conflitos e focos de guerra foram “intervencionados” pelos “marines” americanos em África e na América Latina.

Muito mais realista, sobretudo para quem tenha acompanhado com alguma regularidade a imprensa norte-americana, seria falar de um somatório de acontecimentos que têm vindo a minar a credibilidade da população no governo de Bush e no seu partido, o Republicano.

Recordando-se episódios como os do furacão Katrina, que além de revelar a debilidade das estruturas de apoio às vítimas ainda trouxe a público a incúria na manutenção do sistema de diques de protecção de New Orleans, os escândalos que envolveram o muito americano sistema dos “lobbys”, a politica de redução de benefícios sociais (em parte determinada pelo agravamento das despesas com o Iraque) e a crescente convicção da população americana da manipulação perpetrada pela administração Bush a propósito do 11 de Setembro de 2001 e das justificações para as invasões do Afeganistão e do Iraque.

O movimento que crescentemente se vinha detectando nos círculos académicos americanos poderá ter atingido não apenas a dimensão, mas também a difusão e um grau de credibilidade junto da população, suficientes para fazer mudar o que tinha sido uma sólida tendência de voto nos Republicanos. Paralelamente com este movimento, a total ausência de qualquer iniciativa que contrariasse a administração Bush por parte dos Republicanos presentes na Câmara dos Representantes ou do Senado e as constantes notícias da violação de direitos fundamentais que aquela administração vem perpetrando em nome da luta contra o terrorismo - como é o caso da prorrogação do “Patriot Act”, das escutas telefónicas não justificáveis, dos acontecimentos em AbuGhraib (prisão iraquiana) e da manutenção da situação em Guantanamo (prisão especial criada numa base militar em Cuba e onde são mantidos centenas de alegados terroristas sem qualquer acusação formal ou julgamento) – não só terão minado parte da base de apoio dos Republicanos como poderão ter levado um maior número de apoiantes dos Democratas a exercer o seu direito de voto.

Ao acumular de erros sobre erros na sua política externa a facção Republicana mais radical (representada na administração por Donald Rumsfeld) poderá também ter ajudado a que muitos eleitores tenham decidido mudar de “campo”, tanto mais que muitos dos candidatos Democratas a Senadores se filiam na área mais conservadora daquele partido (conhecidos por Blue Dogs), havendo mesmo quem já tivesse sido candidato (ou convidado para tal) pelos Republicanos.

Este dado, a eleição de uma facção de Democratas mais conservadora para o Senado poderá constituir não apenas uma incógnita para o futuro mas também uma clara oportunidade de “sobrevivência” para as estratégias até agora aplicadas pelos Republicanos.

Assim, as esperanças que alguns possam ter alimentado de alteração da política norte-americana devem ser postas de lado ou reduzidas a muito pequenas mudanças, tanto mais que o resultado agora alcançado pelos Democratas não assegura que dentro de dois anos venham a reconquistar a Casa Branca, e que mesmo que tal aconteça se registe então uma significativa alteração na política externa americana.

Sem comentários: