Nesta última semana o exército israelita voltou a invadir a Faixa de Gaza. Segundo o governo israelita, o que determinou este comportamento foi o rapto de um seu soldado pelos guerrilheiros palestinianos no passado dia 25 de Junho, na sequência de um ataque a um posto militar na fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egipto. Esta acção foi reivindicada por um pequeno grupo de guerrilha, o Comité de Resistência Popular, que anunciou a captura do soldado israelita, bem como a participação de elementos do Hamas e de um grupo desconhecido, o Exército do Islão.
Não estando em causa o direito a obter a libertação do seu soldado, é de espantar que o governo de Ehud Olmert tenha sido pronto a recusar uma proposta para a troca do prisioneiro pela libertação das mulheres e crianças palestinianas detidas em Israel e a fixar um prazo de 48 horas para a libertação incondicional do soldado. Mal se escoou este prazo (impraticável para qualquer negociação) o exército iniciou uma ofensiva por território palestiniano que para já se estar a saldar pela destruição generalizada de infra-estruturas (pontes rodoviárias, escolas, centrais eléctricas, edifícios públicos), pela detenção de várias dezenas de membros do parlamento palestiniano (todos afectos ao Hamas) e mesmo alguns membros do governo de Ismail Haniyeh.
Na cena internacional, os EUA e a UE fazem coro na condenação do “rapto” do soldado israelita e apoiam (os primeiros de forma explícita e implicitamente os segundos) as acções de Israel; os países árabes condenam a invasão israelita e o Egipto, através do seu presidente Hosni Mubarak, ofereceu-se para mediar o conflito e até o insuspeito governo turco (único estado islâmico membro da NATO e candidato à admissão à UE) condenou a actuação de Israel. No plano interno também no Knesset (parlamento israelita) se fizeram ouvir algumas (poucas) vozes contra este ataque.
Segundo alguns analistas a solução de mediação poderá passar pela libertação do soldado israelita e dos dirigentes do Hamas detidos, a retirada das forças israelitas da Faixa de Gaza e o compromisso do Hamas de pôr fim aos ataques com “rockets” e ao de Israel suspender os assassinatos selectivos de dirigentes do Hamas. Esta hipótese, que faria recuar aos tempos anteriores à eleição do Hamas para o governo palestiniano deverá ser difícil de concretizar, em particular o fim dos ataques palestinianos e o dos assassinatos israelitas (entendam-se estes pela ordem que se queira).
Até lá, resta-nos continuarmos a assistir à impunidade com que de tempos a tempos os sucessivos governos de Israel têm vindo a torpedear os acordos estabelecidos (sempre com o beneplácito do indefectível amigo americano) e a criar factos político-militares para manterem os territórios palestinianos reféns da sua vontade.
Mas a questão fundamental em todo este processo radica na sua própria origem. Recorde-se que o incidente que justificou mais este ataque ocorreu um dia após um encontro informal entre o primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert, e o presidente da Autoridade Palestiniana (Mahmud Abbas) e poucos dias após o anúncio de um acordo entre o Hamas e a Fatah (os dois principais partidos palestinianos) que poria fim a um período de disputas internas; resultou de um ataque a um posto fronteiriço entre a Faixa de Gaza e o Egipto (quando seria mais lógico que o fosse entre aquele território palestiniano e Israel), efectuado por um movimento de pequena importância (que ao reivindicá-lo envolveu explicitamente o Hamas numa posição de subalternidade) que de pronto se manifestou disponível para efectuar a troca do seu prisioneiro (a quem Israel chama raptado por não reconhecer senão a sua autoridade sobre os territórios palestinianos) contra a libertação de todas as mulheres e crianças palestinianas detidas em prisões israelitas.
É óbvio que o Hamas não refutou a sua participação na acção (talvez para não contradizer os seus princípios ou reduzir o seu apoio entre a população palestiniana), mas nem por isso o seu governo colocou qualquer entrave ao processo de busca de imediato iniciado sob as directrizes do presidente Mahmud Abbas, até para não reabrir as “feridas” recentemente fechadas entre o Hamas e a Fatah (partido a que pertence Abbas). Neste clima de delicados equilíbrios internos entre os palestinianos, uma vez mais Israel manobrou de forma a maximizar os seus ganhos. Qualquer que seja o resultado deste incidente, o governo de Olmert já assegurou:
· um novo período de dificuldades acrescidas para os palestinianos e em particular para o governo do Hamas,
· uma imagem de força e capacidade interventiva de Ehud Olmert e do seu ministro da defesa, Armin Peretz, que apresentam em comum a falta de experiência militar;
· maior campo de manobra para levar a comunidade internacional a aceitar o plano de fixação unilateral de fronteiras defendido por Ariel Sharon (antecessor e mentor político de Ehud Olmert).
Apresentando-se como potencial ganhador, em toda a linha, com este “incidente” não será de estranhar que se coloquem questões em torno da sua origem e da enorme conveniência e particular oportunidade com que surgiu. Para que não fiquem quaisquer dúvidas sobre o real objectivo de mais esta invasão israelita veja-se uma notícia da BBC, emitida no dia 28 de Junho aquando do início daquela invasão, que citando um membro do gabinete de Olmert e ex-ministro da defesa, Ben-Eliezer, definiu como objectivo do ataque provocar a libertação do prisioneiro e não realizar quaisquer operações de busca ou socorro.
A insuspeita BBC fornece a prova final de que esta acção militar ocorreu com este pretexto, mas que qualquer outro serviria para a justificar, tanto mais que o efeito pretendido é apenas a de reduzir ainda mais as já escassas condições de vida das populações palestinianas, aniquilando tanto quanto possível a cada vez mais débil economia palestiniana.
Se outros argumentos faltassem para classificar este tipo de actuação de “terrorismo de estado”, veja-se a persistente utilização de voos supersónicos sobre território palestiniano a baixa altitude, como arma de intimidação (aterrorizando as populações e provocando o estilhaçar de vidros, sem qualquer respeito pelos eventuais feridos entre a população e em especial entre as crianças) e a violação do espaço aérea sírio, num simulacro de ataque à residência do presidente Bashar Al Assad efectuado no dia do início da ofensiva, apresentado à imprensa e à opinião pública internacional como medida de pressão sobre um país apresentado como “aliado” do Hamas.
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