sexta-feira, 14 de julho de 2006

VOLTÁMOS À CORRIDA AO ARMAMENTO?

As notícias recentemente divulgadas que davam conta dos testes realizados a um novo sistema de mísseis balísticos de médio alcance pela Índia (AGNI-3 com um alcance de 4.000 km), é apenas mais um dado a juntar aos testes realizados pela Coreia do Norte, que no início do mês procedeu ao ensaio de vários dos seus mísseis, incluindo o Taepodong-2, reputado com um alcance da ordem dos 6.000 km.

A Coreia do Norte, a Índia e o vizinho (e arqui-rival) Paquistão possuem os seguintes sistemas de mísseis:

operacionais ou em desenvolvimento, sendo que a Coreia do Norte se encontra a ensaiar uma versão de três andares do Taepo-Dong 2, com um alcance estimado entre 10.000 e 12.000 km, o que introduzirá aquele país entre os equipados com ICBM (intercontinental balistic missile).

Se a estas notícias juntarmos a polémica que rodeia o programa nuclear iraniano (país que dispõe com os Shahab-3 e Shahab-4 de lançadores de médio alcance – até 2.000Km), com os EUA a pretenderem que este se destina a fins militares, e as dificuldades desde sempre sentidas pela Agência Internacional de Energia Atómica (organismo da ONU encarregue de acompanhar e regular o desenvolvimento de sistemas nucleares) para monitorar e “controlar” o desenvolvimento de arsenais nucleares, tanto mais que foram (são) as principais nações nucleares a equiparem os “estados amigos” com os meios que pretendem ver recusados aos outros.

Para o melhor ou o pior dificilmente os EUA conseguirão argumentos para impedir estados como a Coreia do Norte, o Irão ou outros de se dotarem de armamento nuclear, quando eles próprios equiparam países como Israel e a Alemanha com esses mesmos meios.

Aliás, o próprio mecanismo do Tratado de Não Proliferação Nuclear não conseguiu impedir que estados como a Índia e o Paquistão já disponham daquele tipo de armamento. Quando na sua origem, em 1970, tinha como objectivo limitar as armas nucleares dos cinco países que o reconheciam - EUA, a então União Soviética, Grã-Bretanha, China e França (estes dois últimos só o ratificaram em 1992) – bem como limitar a transferência de tecnologia para países “não-nucleares”, já países como Israel e a Índia procediam a ensaios nesse campo.

Aos fundadores, todos membros do Conselho de Segurança da ONU, foram-se juntando outras nações, facto que não tem impedido que diversos estados tenham vindo a desenvolver esforços para atingirem o domínio daquela tecnologia, contando-se entre os mais recentes candidatos o Irão e o Brasil.

Para qualquer estado candidato ao papel de potência regional a simples disponibilidade da tecnologia nuclear é curta; a esta terá que ser adicionado o desenvolvimento de vectores de transporte dessa mesma tecnologia. Assim se entendem os recentes ensaios de sistemas de mísseis pela Coreia do Norte e pela Índia, que englobaram já transportadores de médio alcance.

No início deste ano o director-geral da AIEA, o egípcio Mohamed El Baradei, revelou-se, numa entrevista ao semanário alemão “Der Spiegel”, seriamente preocupado com a grande probabilidade de uma guerra atómica, por em seu entender o mercado negro da tecnologia nuclear se encontrar em crescimento, mercado no qual operam peritos nucleares, empresários e até órgãos estatais.

O diplomático El Baradei não o disse, mas eu acrescento, que boa parte deste acréscimo de risco deriva do clima de instabilidade que nos últimos anos tem sido transferido para o campo militar, muito por via das acções político-militares originárias em Washington e pela substituição da arma da diplomacia pela diplomacia das armas.

Esta inversão de valores é particularmente evidente quando um estado, seja ele qual for desrespeita os mais elementares princípios da ordem internacional – rejeitando a autoridade do Tribunal Penal Internacional para os seus soldados, invadindo estados soberanos a seu belo prazer, declarando “guerras contra o terror” e não tratando os respectivos prisioneiros ao abrigo da Convenção de Genebra por não os considerar prisioneiros de guerra e sim “terroristas” – e da própria ordem interna quando faz aprovar leis que atribuem poderes ditatoriais ao seu presidente, lança programas generalizados de escutas telefónicas e cerceia a actuação de organismos internacionais e advogados em nome da defesa da civilização contra a barbárie.

Perante um cenário desta natureza, ao qual nem o recente anúncio de que a administração norte-americana virá a aplicar os princípios previstos na Convenção de Genebra aos prisioneiros detidos em Guantánamo introduz significativas alterações, não será de estranhar que vejamos crescer o número de países candidatos à utilização de armamento nuclear.

Igualmente determinante neste cenário de incerteza e instabilidade tem sido o papel de Israel, não só por possuir armamento nuclear (situação que não admite publicamente), mas principalmente por não ter aderido ao tratado de não proliferação nuclear nem aceitar o papel fiscalizador da AIEA (tudo isto com o beneplácito e a cobertura dos EUA) e por integrar um dos focos permanentes de conflito – a Palestina – como actualmente se pode comprovar.

De forma mais ou menos silenciosa outros países estarão a trabalhar no sentido de se virem a dotar daquele tipo de armamento, entre estes conta-se o Brasil, país que há muito tempo pretende ser reconhecido como potência regional e do qual se diz que também estará a desenvolver um programa “secreto” com vista à produção do seu primeiro engenho nuclear.

Se às questões de domínio regional juntarmos a política unilateralista e sectária que os EUA – estado que continua a pretender afirmar-se como polícia e juiz de todos os outros – persiste em praticar, não será de estranhar que se viva o que parece ser uma nova fase de corrida aos armamentos, praticada agora não apenas pelos candidatos a grandes potências, mas também pelos que anseiam por algum protagonismo ou supremacia regional.

A juntar a estas dificuldades El Baradei lamentou ainda naquela entrevista que a AIEA não tenha conseguido impedir o Paquistão, a Índia e Israel de construir armas nucleares e lembrou que é aquela agência que compete o controlo dos processos de desarmamento e não aos EUA ou outros parceiros da cena mundial.

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