Após o anúncio há umas semanas da morte de Abu Mussab Al Zarqawi, o denominado líder da Al Qaeda na Mesopotâmia, eis que surge agora a notícia da morte de Shamil Bassaiev, o líder da guerrilha chechena.
Em ambos os casos as mortes terão resultado de acções de “inteligência” e de golpes-de-mão militar orientados especificamente para o fim em vista.
Tal como sucedeu com Al Zarqawi, também sobre a morte de Bassaiev rapidamente surgiram, da parte dos poderes estabelecidos, as congratulações e manifestações de esperança no final do conflito na Chechénia, restando agora esperar para ver se tal se concretiza ou não.
Atendendo às semelhanças no “modus operandi” entre Al Zarqawi e Bassaeiv não será displicente admitir que a espiral de violência em que mergulharam os conduziu ao seu próprio fim. Este poderia ser um interessante epitáfio para qualquer um deles caso as raízes da violência que exerceram radicassem neles próprios e não nas condições em que milhões de pessoas são obrigadas a viver.
Mesmo sem querer glorificar a violência (ou a versão muçulmana do “martírio”) ninguém de bom senso poderá ficar indiferente às condições sócio-económicas que conduziram estes (e centenas de outros) a opções com os níveis de violência a que temos assistido.
A nossa cultura judaico-cristã tende a “limpar” a memória dos mortos (talvez num processo de auto-desculpabilização) e assim sendo, quer Al Zarqawi quer Bassaiev deveriam passar para a memória colectiva como combatentes pela sua liberdade; porém, aquilo que vemos nos órgãos de comunicação é a pura e simples condenação destes, bem como a dos seus seguidores. Raramente alguém se interroga sobre o que poderá levar centenas de homens e mulheres a fazerem-se explodir.
A mais comum das explicações para o recorrente fenómeno da actual vaga de atentados suicidas radica na identificação entre este fenómeno e uma corrente religiosa. Sinceramente, como não-crente tenho enorme dificuldade em aceitar esta explicação simplista, tanto mais que mantenho bem presentes as imagens do monge budista que em plena rua se imolou pelo fogo como acto de protesto contra a guerra.
Embora reconheça a importância e o enorme peso que a religião representa para as populações muçulmanas, cada vez me parece mais importante e indispensável que fenómenos desta natureza sejam pensados e entendidos de uma forma totalmente diversa. É estranho que a dita civilização ocidental, que tanto se vangloria do liberalismo das suas concepções político-económicas, se mantenha arreigada a leituras anquilosadas nos campos sociológico e religioso.
A simples e directa construção de silogismos do tipo:
os suicidas são terroristas
os suicidas são muçulmanos
logo, os muçulmanos são terroristas
não só não explicam a situação como nos conduzem a todos (muçulmanos e não muçulmanos) para um beco sem saída relacional. Primeiro, porque nem todos os suicidas serão terroristas (muitos crêem que por esta via, talvez a única que lhes resta, poderão inflectir o curso dos acontecimentos ou simplesmente vingar as famílias destruídas por acções militares que não entendem); segundo, porque muitos haverá a quem nunca foi proporcionada outra via para “combater” aqueles que lhes pretendem impor modos de vida com os quais não se identificam; terceiro, porque a sua esperança de vida é tão breve e as perspectivas são tão desagradáveis que o acto terminal se lhes afigura preferível.
Para quem faça um esforço sincero para tentar entender os pontos de vista “do outro”, até mesmo em matérias e temas como os da actual “guerra contra o terror”, não será muito difícil encontrar explicações para comportamentos e reacções que o “establishment” e o seu “mainstream”classificam de imediato como antidemocráticos e lesivos dos interesses do ocidente. É evidente que em processos desta natureza existem, de parte a parte, bom número de “agentes provocadores” cuja única missão é a de criar ambientes propícios às iniciativas que as respectivas cúpulas dirigentes querem ver aplicadas, mas não é menos verdade que o sucesso destes é fundamentalmente função da nossa capacidade para vermos além de nós próprios e do óbvio.
Sendo certo que a actual lógica das práticas terroristas há muito deixou de se assemelhar às formas que dominaram a segunda metade do século XX, essencialmente de cariz vincadamente ideológico (as Brigadas Vermelhas e o Baader-Meinhof) e/ou independentista (casos do IRA e da ETA) e normalmente apontadas a alvos económicos ou mediáticos, nem por isso passaram a ser fenómenos de mais fácil compreensão, antes passando a assumir contornos mais fluidos e de interesses menos identificáveis. Se não vejamos:
- quem efectivamente beneficiou com o 11 de Setembro de 2001? O movimento islâmico (se é que essa entidade existe) ou o aparelho militar-industrial americano que tem vindo a ver reforçados os seus orçamentos anuais e as grandes empresas a quem o Pentágono contrata uma miríade de serviços logísticos e de apoio às tropas americanas em campanha?
- terá sido mesmo mera coincidência que o atentado na rede de transportes londrina tenha ocorrido nas vésperas do início na vizinha Escócia de uma cimeira do G8 que se sabia antecipadamente particularmente polémica?
- que dizer do atentado hoje ocorrido em Bombaim, capital económica da Índia, país que dispõe de armamento nuclear e que no início desta semana procedeu ao ensaio de um novo míssil de médio alcance?
Da série de grandes atentados perpetrados em países não islâmicos apenas o de Madrid poderá vagamente ter produzido efeitos no teatro de guerra que é o Iraque, em virtude do governo originado nas eleições que imediatamente se lhe seguiram ter decidido retirar as poucas tropas que deslocara para aquele território.
Se esta sucessão de acontecimentos não nos levar a observar e a avaliar noutra perspectiva o que de muito se diz e escreve por esse mundo fora sobre fanatismos religiosos e esquecendo (intencionalmente ou não) o que de muito existe sobre outros tipos de fanatismos (nomeadamente no campo económico), então mereceremos bem o que de pior nos possa acontecer…
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