sábado, 29 de julho de 2006

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS...

Têm-se visto e ouvido todo o tipo de posições, comentários e opiniões, nas televisões e rádios nacionais, a propósito da nova situação de conflito no Médio Oriente. Têm-se multiplicado os escritos e as opiniões de muita gente, na imprensa nacional, criticando ou apoiando uma das partes ou apenas manifestando a necessidade de pôr cobro a um conflito que parece atingir maioritariamente as populações civis, mas não esperava ler o que li na edição do DIÁRIO DE NOTÍCIAS do passado dia 26.

... OS RADICAIS

Sob o título de “As esquerdas anti-semitas”, com a habilidade de pena que toda a gente lhe reconhece, Vasco Graça Moura envereda por uma estratégia apologética da política belicista de Israel, questão que apenas a ele diria respeito se simultaneamente não tivesse optado por recorrer à mais primária das críticas contra quem defende o princípio inverso.

Personagem de cultura bem acima da média não seria de esperar que Vasco Graça Moura utilizasse o recurso a um argumentário particularmente grato àqueles que nada sabendo ou conhecendo e incapazes de pensarem pelos seus próprios meios, tentam reduzir os seus contraditores ao simples rótulo de anti-semitas na expectativa da prevalência do princípio do “politicamente correcto” e por esta via os silenciarem.

Misturando no mesmo saco o chamado terrorismo islâmico e a luta pela independência da Palestina, esquecendo (porque não acredito que ignore) que sobre a autoria/concretização do 11 de Setembro continuam por esclarecer demasiadas dúvidas e muitas das certezas (quem no seu juízo perfeito acredita que nos escombros de um edifício atingido por um avião carregado de toneladas de combustível pode ter sido encontrado quase intacto o passaporte de um dos designados terroristas?), rapidamente conclui que quem não apoie as acções israelitas é apoiante do terrorismo.

Maniqueísmo aparte, acusa aqueles que critica de descontextualizarem os bombardeamentos israelitas de infraestruturas básicas, tais como centrais eléctricas, pontes, estradas, edifícios civis apenas por mera suspeita e populações em fuga, mesmo depois de ter acabado de explanar a característica básica do que designa por terrorismo – a sua miscegenação com as populações civis – esquecendo novamente que essa é a principal característica de uma força combatente não regular. Aliás tempos houve em que este tipo de forças não regular foi mitificado e elevado ao patamar de patriotas – basta recordar a acção da resistência francesa à ocupação alemã do seu território durante a II Guerra Mundial. Na mesma linha de pensamento não resisto a recordar que Ossama Bin Laden, a “bête noire” de Vasco Graça Moura, foi um produto de criação do seu “deus ex-machina”, os EUA, quando a estes interessou combater a presença soviética no Afeganistão e que nos seus primórdios o grupo terrorista conhecido por Hamas foi financiado por Israel para combater a influência da OLP junto da população palestiniana.

Para atingir o objectivo de vilanizar os que pensam de modo diverso do seu, Vasco Graça Moura, nem hesita na acusação ao Hezbollah de desrespeito pelas resoluções da ONU, como se Israel fosse o paradigma dos respeitadores das decisões daquele organismo. Na ânsia de explicar o inexplicável chega a ponto de classificar de irresponsável a eleição do Hamas para a governação dos territórios palestinianos, embora não me recorde de o ter ouvido pronunciar-se contra a eleição de Mahmud Abbas para a presidência palestiniana quando americanos e israelitas pressionaram a Autoridade Palestiniana a fragmentar o poder como forma de isolar Yasser Arafat e atrasar o processo de autonomia.

Entendo perfeitamente a crítica de Vasco Graça Moura à posição de Francisco José Viegas, mas pelo que li e pelo que até agora critiquei, parece-me bem que a posição de ambos pouco difere e a sua divergência resulta apenas do primeiro entender, contrariamente ao segundo, que a Israel tudo é permitido desde que executado em nome da sobrevivência do estado judaico e como reparação ao Holocausto.

... OS MODERADOS

Mais comedido que Vasco Graça Moura, escreveu, no passado dia 20 e também no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Luciano Amaral que o conflito agora em curso sendo apenas mais um na região, não passa de uma «guerra por procuração» na qual se enfrentam os EUA e o Irão.

Não sendo de todo descabida esta leitura da situação, parece-me pecar por simplista e por admitir que o histórico conflito israelo-árabe se terá transformado mais numa espécie de “birra” que num sério e fundamentado diferendo, sequela óbvia de um processo de colonização que numa primeira fase os europeus e numa segunda americanos e russos levaram a efeito.

A própria descrição dos avanços e recuos no processo de afirmação do estado de Israel e de contestação por parte da nação árabe (convirá aqui não esquecer que os estados árabes são eles próprios uma criação artificial resultante do colonialismo inglês e francês) apresentada da forma como o faz Luciano Amaral além de deixar um gosto a «dejá vu» ainda pecará por manifestamente parcial. Esta parcialidade estará estreitamente relacionada com a questão da dualidade de pontos de vista, sabendo-se que houve, há e haverá sempre a tendência de reduzirmos os factos ao ponto de vista que mais nos interessa (ou com que nos identificamos), o que de modo algum pode justificar que uma personalidade com formação na área da história se “esqueça” de abordar a questão de como foi criado o estado de Israel.

Não querendo colocar em questão o direito do povo judeu a um estado, ninguém pode deixar de analisar o processo de implantação e de expansão daquele estado nem a forma como a comunidade ocidental sempre o tem protegido (mesmo em situações de muito fundamentada dúvida), mas partir da existência de Israel enquanto facto consumado para negar ao conjunto da nação árabe fortes razões para a contestar, tanto mais que ela nunca foi pacífica e sempre assumiu contornos expansionistas e belicistas.

Já Pedro Lomba escrevia no fim-de-semana passado, ainda e sempre no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que evita «...escrever uma linha que seja sobre Israel. Em primeiro lugar porque é um assunto armadilhado por fanatismos vários e quase me convenço, por isso, que a pacificação da zona é uma impossibilidade. Em segundo lugar porque sou instintivamente pró-Israel. Admiro Israel e a sua fatídica História, muitos dos escritores que aprecio são (ou foram) judeus e o mundo em que apesar de tudo mais me revejo tem uma origem judaico-cristã (a velha conversa sobre a importância do hífen). Depois, desde 1948 que Israel está em guerra com a vizinhança. A vizinhança não se recomenda e nunca se recomendou. Não esqueço que Israel é uma democracia cercada por ditaduras paranóicas. E antes da Europa ou dos Estados Unidos conhecerem o que é o terrorismo moderno, já Israel tinha sofrido na pele o fenómeno. Não é brincadeira

Partilhando com ele o mesmo sentimento relativamente a preferências literárias e até cinematográficas, nem por isso deixo que essa questão estética ofusque a essência do problema – a co-existência no mesmo território de um estado judaico e outro árabe – mesmo entendendo que a actual crise possa ser «…uma resposta à desordem dos tempos e, muito em especial, ao caos em que se transformou o Médio Oriente» nada me obriga a assistir silenciosamente ao uso e abuso da força como primeira e última opção de um estado que se afirma democrático.

... E OS ASSIM-ASSIM

Ontem mesmo no ABRUPTO, Pacheco Pereira escreveu, bem ao seu modo, a propósito desta situação uma interessante resenha da evolução histórica de Israel e da região da palestina desde meados do século passado. Não resistiu à tentação de distribuir umas quantas alfinetadas pelos seus ex-correligionários, mas sempre foi dizendo que a grande questão actual é a da aproximação entre o anti-semitismo e o anti-americanismo. Tal como os mais radicais defensores da “praxis” israelita e, por que não dizê-lo, judaica Pacheco Pereira refugia-se, infelizmente, numa posição reducionista na qual pouco se distingue de George W Bush. A este eu posso desculpar a estreiteza de vistas e argumentos (imagino o extremo cuidado que os seus inúmeros conselheiros e assessores devem ter para não o deixar falar demais), agora a Pacheco Pereira é de exigir outra formulação e maior elasticidade mental, para ver além daquilo que querem que vejamos.

Reduzir a contestação à actuação de Israel (e aqui estou a incluir muito mais que a actual crise) ao chavão do anti-semitismo e do anti-americanismo é apenas mais uma forma de usar a arma preferida pelos grupos de pressão judaicos (cuja existência e importância Pacheco Pereira reconhece) e próprio de quem não dispõe de mais argumentos que não sejam, ainda e sempre, o velho e estafado Holocausto.

Do conjunto dos apoiantes de Israel pouco ou nada se ouve ou lê que registe factos reais como:

  • a desproporcionalidade dos estragos produzidos pelos “rockets” artesanais e antiquados mísseis árabes quando comparados com os bombardeamentos com sofisticadas bombas direccionadas por laser, bombas de fragmentação e mísseis equipados com sofisticados sistemas direccionais;
  • os ataques a colunas de refugiados libaneses;
  • a desproporcionalidade das baixas (mortos e feridos) entre os dois lados;
  • a influência da forma como os meios de comunicação ocidental relatam os acontecimentos, tomando por exemplo o facto dos soldados israelitas terem sido «raptados» e dos dirigentes palestinianos terem sido «detidos»;
  • a catástrofe que significará para qualquer país ter cerca de ¼ da sua população deslocada.

Por tudo isto muito ainda há a dizer.

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