domingo, 26 de dezembro de 2010

TEMPOS DE MUDANÇA


Nos tempos de crise que vivemos, a aproximação do final de mais um ano civil deixou de marcar a relevância de calendário que já conheceu, justificando, quiçá, a ideia que os tempos já não são como foram.


Por muito que haja quem persista em o negar, com o eclodir da crise global no verão de 2007 e, em especial, com a falência do Lehman Brothers em Setembro de 2008, iniciou-se um ciclo de crise que ainda se encontrará longe de resolvido, mas constitui já um importante referencial de medida do tempo. Despoletada pelo rebentamento da bolha do imobiliário, agravada pela profunda interpenetração dos sistemas financeiros dos diversos países e pela inadequadas soluções utilizadas pelos governos dos países mais atingidos, a “bola de neve” continua a rolar e a aumentar de volume e de velocidade, atingindo um número cada vez maior de economias e de agentes económicos.

Depois de ter ameaçado de colapso os grande gigantes financeiros e destes terem sido resgatados in extremis e com elevado custo pelos respectivos governos, eis que são agora estes o elemento mais frágil e o objecto das maiores preocupações. Embora a comunicação social continue a prestar especial atenção à situação das dívidas soberanas dos países periféricos da Zona Euro, a realidade é bem diferente e aqui e ali lá vão surgindo outras notícias, como a da falência da AMBAC[1] (um dos principais resseguradores dos empréstimos obrigacionistas dos municípios norte-americanos), por acaso num momento em que a questão do resgate da Irlanda estava ao rubro.

Notícias como aquela ou outras sobre a cada vez mais delicada situação das finanças inglesas, fenómeno a que não deverá ser estranha a facilidade com que o governo inglês se prontificou a participar no resgate da dívida irlandesa, poucos meses depois de ter recusado ajudar a Grécia, continuam a primar pela quase ausência, numa imprensa cujos proprietários estão mais interessados em colaborar com as manobras de diversão que tentam proteger o dólar e a libra, que em informar e, muito menos, esclarecer os leitores.

Não será por isso estranho que quando surgem opiniões diferentes, estas sejam prontamente rotuladas de catastrofistas e liminarmente recusadas sem lugar à mínima divulgação e debate. Afirmar que a crise das dívidas soberanas apenas acaba de começar e que 2011 deverá assistir à disseminação do flagelo, irá esbarrar no desdém dos que insistem em assegurar que a crise está controlada, mas se estes abandonassem por uns instantes os clichés e os chavões diariamente repetidos e observassem com um pouco de atenção a realidade que nos rodeia, talvez conseguissem ver além do dia de hoje.

Quando, recordando o recente exemplo da Irlanda que viu o endividamento público triplicar à conta das operações de resgate que realizou para evitar a falência dos seus principais bancos, vemos surgir notícias sobre a difícil situação da banca espanhola (país onde a especulação imobiliária também atingiu níveis alarmantes), dever-se-ia tornar claro o paralelismo e o risco que resultará da aplicação da mesma receita, tanto mais que a Espanha tem um peso inegavelmente superior ao da Irlanda no panorama económico europeu.

Assim, antever que o ano de 2011 deverá ficar marcado pela disseminação do incumprimento das dívidas soberanas, incluindo as denominadas em dólares e libras, não constitui alarmismo nem feito divinatório, porque é já uma realidade tão certa quanto a antevisão duma degradação generalizada das condições de vida das populações das economias mais desenvolvidas parece um dado adquirido, enquanto fixar o limite temporal e a dimensão do descalabro financeiro constituirá, essa sim, um verdadeiro feito.


[1] A notícia pode ser lida nesta página da Reuters.

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