segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A CRISE DAS DÍVIDAS SOBERANAS

Ocupados (e preocupados...) com os problemas internos e com a aproximação da Greve Geral convocada (facto histórico) pelas duas centrais sindicais, intoxicados com a realização local duma Cimeira da NATO, poderemos ser tentados a quase esquecer a origem principal dos nossos maiores problemas.

Para isso também contribui (e muito...) a poderosa máquina da desinformação que não deixa escapar qualquer oportunidade para agitar os “terrores” das dívidas públicas, das falências, da produtividade, enquanto os políticos se entretêm em elaborados simulacros de grandes medidas e grandes planos para resolver a crise.



Preocupados em colmatar os “buracos”, em defender o sistema financeiro, em agradar aos “mercados” e em não melindrar os “poderosos”, os políticos ignoram (ou, o que é ainda mais grave, desconhecem completamente) a principal origem da crise – o modelo distorcido de distribuição da riqueza – e recusam-se a ver a evidência da falência dum modelo de desenvolvimento baseado nas exportações (como se num universo finito todos pudessem vender sem ninguém comprar) e da acumulação de poderes no sector financeiro.

Enquanto isto a crise (aquela que dizem estar em vias de resolução mas que não pára de crescer), expressa na persistente anemia das economias ocidentais e no crescimento das taxas de desemprego, continua a alastrar e a estender os seus efeitos a camadas cada vez maiores das populações. Depois de termos assistido em 2007 ao rebentamento da bolha do imobiliário (o célebre “subprime”), da sua óbvia extensão ao sector financeiro (aquele que a alimentou, dela lucrou e que graças à pronta intervenção dos governos poucos efeitos negativos sentiu) que desde 2008 se debate entre as crescentes necessidades de liquidez, a insaciável ânsia especulativa e um quase completo desconhecimento dos riscos que alegremente assume porque, confortável dos apoios públicos, não ignora que estes serão “nacionalizados” logo que necessário, estamos agora a iniciar a travessia de mais uma fase na completa desagregação do modelo económico.

Criada a ilusão de que o Mundo não sobreviverá ao colapso do sector financeiro global (quase como nos anos 50 do século passado se criou o “terror nuclear”) deu-se o passo final no aprofundamento duma crise da qual apenas poderemos emergir mais fortes se conseguirmos corrigir os erros que a originaram. Como em tantas outras crises (económica se não só) o resultado desta poderá ser devastador se em vez de agirmos sobre as suas reais origens persistirmos no erro de confundir a árvore com a floresta.

Eu sei que o truísmo pode não ser claro, mas parece-me a melhor forma de sintetizar o momento que vivemos. Quando os governos europeus, confortados pelo regresso ao crescimento dos seus PIB’s, se deixaram arrastar para a ideia de que a crise estaria resolvida e que era chegado o momento de concentrar as atenções nos desequilíbrios orçamentais que esta provocara em detrimento da acção preventiva contra o que a originou, reentregaram de bandeja a iniciativa do “jogo” a um sector financeiro sediado em Wall Street e na City londrina, que mal refeito do susto mas consciente da fragilidade das suas moedas preferidas, o dólar e a libra, não hesitaram em transformar a fraqueza em força e para evitar o soçobrar das suas divisas lançaram um processo especulativo contra a mais fraca das suas rivais. Com um yen ainda não refeito da crise japonesa do início do século, um rublo isolado, uma rupia e um real sem significativa expressão comercial e um yuan fortalecido pelo crescimento económico chinês e protegido por Pequim, foi fácil identificar o melhor rival, o euro, que constituindo uma real ameaça apresentava ainda a vantagem de uma dupla fragilidade: um peso crescente na cena internacional sem o corresponde peso político.

Assim, o euro e a UE, com a manifesta incapacidade dos seus estados-membros se unirem no essencial, deram início ao que poderá ser apenas o princípio duma avalanche de estados a entrarem em processos de insolvência. Fragilizados pelas divisões intra-comunitárias, confrontados com a oposição popular, os estados da Zona Euro arriscam caminhar um após outro para um colapso financeiro que apenas poderá ser evitável com uma actuação concertada no sentido de retirar ao sector financeiro o poder discricionário de criação de moeda que detém.

Por muito que os sectores mais conservadores (ou neoliberais) rejeitem a ideia, o facto é que a origem da crise sistémica que atravessamos reside fundamentalmente na total subordinação do interesse geral aos interesses dum único sector de actividade, que no presente “obrigam” os estados a financiar os défices parcialmente originados pela opção de saneamento dos bancos em situação de falência a taxas muito superiores à que os próprios bancos intervencionados se financiam junto dos Bancos Centrais (no caso português aqueles diferenciais representam 6 vezes a taxa de refinanciamento do BCE ou 24 vezes a taxa de refinanciamento do FED[1]), pelo que o primeiro passo para a redução daqueles défices deveria passar por proporcionar igualdade nas condições de acesso ao crédito e assim reduzindo a influência de bancos e especuladores na definição das políticas económicas e sociais.


[1] Recorde-se que a taxa a que os bancos comerciais, os mesmos que os estados salvaram da falência em 2008, se financiam junto do BCE é de 1%, enquanto a praticada pelo FED é de 0,25%.

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