quarta-feira, 3 de novembro de 2010

DESENCANTO OU REALISMO?


Como tantas vezes acontece no rescaldo de um qualquer processo eleitoral e quando se constata um certo reequilíbrio de forças nos quadros institucionais, os comentadores costumam concluir que os eleitores se revelaram sábios e optaram, prudentemente, por não colocar todos os ovos no mesmo cesto.

Se esta será a leitura a retirar das eleições legislativas norte-americanas, ou se Obama e o seu partido apenas terão iniciado a caminhada em direcção ao Gólgota, depende fundamentalmente da forma mais ou menos entusiástica como foi recebida a sua eleição para a Casa Branca.


Endeusado pelos indefectíveis que insistem em ver nele a solução para todos os males, desgastado pela crise e pelos persistentemente elevados níveis de desemprego, diabolizado pelos extremistas do “Tea Party”, Obama (e a sua equipa) tenta navegar o mais suavemente possível os mares alterosos que o rodeiam.

Herdeiro do governo de um país mergulhado em duas frentes de guerra (Afeganistão e Iraque) a que não consegue pôr termo, com um tecido económico fragilizado e desgastado pelo processo de deslocalização para regiões com mão-de-obra mais barata, espartilhado entre os biliões de dólares gastos pela administração Bush no resgate de Wall Street e as crescentes exigências dos credores estrangeiros (onde pontifica a China), a administração Obama tem-se desgastado numa quase permanente guerrilha com as duas Câmaras do Senado, órgão onde nem a maioria democrata tem sido suficiente para evitar a necessidade de quase permanente negociação das medidas legislativas verdadeiramente diferenciadoras, como foi o caso da proposta do serviço nacional de saúde.

Com o aproximar das eleições e a meio do mandato não faltaram entre os Democratas (partido a que pertence Obama) quem defendesse a necessidade de moderar as linhas de actuação, tanto mais que muitos senadores terão começado a sentir a fragilidade da sua própria reeleição. 


A aparente firmeza de Obama não conseguiu evitar o crescente número de defecções entre os membros mais chegados da sua equipa (depois de Peter Orszag, o director do orçamento, seguiu-se a conselheira económica, Christina Romer e, por último Lawrence Summers, o director do conselho económico) com responsabilidades na área económica, facto mais revelador das dificuldades que de possíveis divergências.

Este clima pode ainda agravar-se quando se constata que boa parte dos recém eleitos Republicanos são membros activos do fenómeno “Tea Party”, movimento, de linha conservadora e liberal, surgido na sequência de uma série de protestos a diversas leis federais, nomeadamente os planos de resgate económico e a reforma do sistema de saúde e cujo radicalismo ameaça a própria estabilidade interna do Partido Republicano.

Assim, pior que um normal cenário de coabitação entre uma Administração e uma Câmara de Representantes lideradas por Democratas e Republicanos (partidos diferentes mas muito mais iguais que o que aparentam), os EUA (e o Mundo) terão que se preparar para um muito provável crescimento de conflitos onde o populismo do “Tea Party” não deixará de marcar presença e constituir, quiçá, um importante factor de entropia ao tradicional bipartidarismo.

Sem comentários: