O pretenso Governo Económico Mundial, que por reunir as 19 maiores economias e a UE é vulgarmente conhecido pela sigla G20, teve esta semana em Seul mais uma das suas reuniões, que terminou como as anteriores com uma pomposa declaração final de significado quase nulo.
As sempre anunciadas intenções piedosas, com o crescimento mundial à cabeça, voltaram a ser preocupação secundária num cenário mundial cada vez menos optimista, onde mesmo quanto ao anunciado tema principal - a questão das valorizações (ou desvalorizações) cambiais - a cimeira dos mais ricos voltou a demonstrar a sua verdadeira utilidade quando terminou sem a apresentação de qualquer solução para o diferendo que ameaça incendiar os tempos mais próximos – o diferendo entre o dólar e o yuan.
Num cenário macroeconómico de estagnação (há mesmo quem se lhe refira em termos de recessão) americanos e chineses confrontam-se pela liderança económica, numa fase em que as vantagens de potência hegemónica dos americanos se revelam cada vez mais insustentáveis e em que o peso da estrutura industrial chinesa cresce dia a dia. Reflexo disso mesmo foi a recente deslocação do presidente chinês, Hu Jintao, à Europa que Obama procurou contrabalançar com uma viagem relâmpago à Índia e à Indonésia, imediatamente antes da Cimeira de Seoul.
Numa tentativa de debelar o comportamento anémico da economia doméstica, o FED (e a administração Obama) lançou um novo programa de estímulo económico (o “quantitave easing”) que mais não é que nova injecção de dinheiro no circuito económico na esperança que o aumento de liquidez reanime uma economia há muito debilitada pelas políticas de deslocalização industrial, as mesmas que originaram os “milagres económicos asiáticos”. Com as deslocalizações a originarem crescentes comerciais excedentes no sudoeste asiático, especialmente na China, e com esta economia a beneficiar de condições muito especiais, não espanta que nas vésperas da Cimeira de Seul parecesse que a maioria estaria de acordo numa política que contrariasse a crescente influência chinesa. Porém a realidade acabou por ser bem diversa e no rescaldo da reunião resultou... que tudo deverá continuar como está.
Os chineses, face ao desentendimento entre os possíveis opositores e a debilidade da posição de uns EUA muito dependentes da China para financiarem a sua dívida pública, continuarão a beneficiar da vantagem que representa o facto dos seus maiores bancos serem públicos (podendo assim o governo de Pequim criar moeda conforme as suas necessidades), enquanto mantém uma política de desvalorização da moeda nacional como via de incentivo às exportações; os EUA, que bem gostariam de desvalorizar o dólar para melhorar as exportações e reduzir a dívida pública, vêem-se obrigados a proferir grandes discursos de apoio às políticas liberais e quiçá a aplicar alguma contenção à sua política doméstica de “quantitative easing”, na expectativa de não afugentarem as fontes de financiamento de que dependem quase totalmente.
A Europa, num cenário de convulsão como o descrito, poderia aproveitar este desentendimento acordado para fazer valer o seu peso, mas os desacordos internos, a fragilidade das economias dos seus estados periféricos (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália) e a debilidade dos seus líderes (nacionais e comunitários) inibe-a de qualquer veleidade, pelo que restam a Rússia, Brasil e Índia como únicos possíveis contrapoderes, países cujas economias têm revelado bons desempenhos mas que, dependentes do sistema financeiro internacional poucas esperanças poderão alimentar.
Significativo disso mesmo é o teor das conclusões da cimeira que não deixaram de incluir beatíficas normas de controlo bancário, apresentadas como destinadas a assegurar uma maior resistência daquelas instituições às tempestades que se prenunciam, pois a perspectiva de aumento do risco das dívidas soberanas, começando pelas denominadas em euros, não deverá tardar a estender-se à libra e ao dólar, facto que ocorrerá tanto mais rapidamente quanto os poderes políticos se revelam incapazes (ou incompetentes) para tomar as decisões que se impõem na defesa dos interesses dos seus próprios povos.
Prova disso mesmo é a declaração subscrita pelos membros europeus do G20 a propósito da situação irlandesa, que mais não faz que ecoar a ideia de que a intervenção do Fundo Europeu de Estabilização Financeira estará para muito breve, facto que poderá significar uma rápida extensão à situação portuguesa.
Estes factos e a reconhecida incapacidade das propostas orçamentais apresentadas pelo governo de José Sócrates – que além da duvidosa aplicação prática serão seguramente negativas para o crescimento económico – mais não fazem que adensar as perspectivas adversas há muito anunciadas, pelo que outras intervenções se deverão seguir à grega e o fundo que a UE criou apressadamente não dispõe senão de 750 mil milhões de euros. A somar a esta limitação importa ainda lembrar as posições que ultimamente alemães e franceses têm assumido quanto ao auxílio aos estados-membros, pelo que o cenário de instabilidade em torno do Euro estará para durar.
Mesmo sem querer ser pessimista, os sinais de agudização da fase de insolvência dos Estados, tal como o prenunciou o “think tank” europeu LEAP, são claros tal como a tibieza e/ou a incompetência dos líderes europeus que permitiu que esta se iniciasse pelo euro.
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