Enquanto a imprensa persiste em bombardear-nos com a gravíssima crise do orçamento e da dívida pública, enquanto ex-ministros pressagiam os piores do males e recomendam as mais drásticas das curas para as maleitas nacionais e enquanto políticos do governo e da oposição se desdobram em declarações e em entrevistas, continua por realizar um verdadeiro debate sobre a estratégia para sair da crise.
Enquanto as personalidades conotadas ou mais próximas das concepções neoliberais persistem na diabolização da coisa pública e os mais moderados defensores de uma via de renovação do sistema capitalista procuram introduzir alguma seriedade no debate, os tradicionais porta-vozes dos sectores mais contestatários parecem ter emudecido perante a verborreia dos primeiros e pouco ou nada têm contribuído para o debate. Assim, espartilhados entre os produtores de anátemas contra tudo o que possa por em perigo o seu sacrossanto “mercado” e a nítida sensação que as soluções propostas como infalíveis salvadoras tresandam a bafio e não passam de uma mera repetição de muitos dos erros que levaram as economias ao estado em que se encontram, muita gente se interrogará se não existe mesmo outra alternativa, tanto mais que apesar dos sinais de recuperação das economias se mantém em crescimento as taxas de desemprego, a ponto de muito pouca gente ter festejado o anúncio do fim da recessão.
É claro que no quadro conceptual em que funcionam os paladinos do “mercado” e da livre concorrência será quase impossível encontrar soluções que não passem pelos referenciais que originaram (e fundamentaram ideologicamente) a chamada globalização e que no essencial não pugnem pelo aprofundamento da liberalização dos mercados, mesmo quando isso implica, à evidência, a perpetuação do desemprego.
Teoricamente, a falência do modelo de desenvolvimento que nos conduziu a esta situação deveria suscitar entre os teóricos e os técnicos a necessidade de elaboração de novos referenciais, contudo, aquilo a que assistimos é ao apelo à continuação do “jogo”, ou ao mero recurso a paliativos, como recentemente o fez um grupo de especialistas europeus (entre os quais Jacques Delors, o lendário “pai” da UE), ao apelarem à imediata activação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Embora louvável, a intenção daquelas personalidades não representa mais que um mero paliativo para o problema de fundo que é o do endividamento dos Estados em exclusivo benefício do sector financeiro.
Mais que propor a activação de um mecanismo comunitário de apoio aos estados-membros mais endividados, o que se deveria fazer era alterar radicalmente um sistema que usurpou aos Estados o poder de criação da moeda, algo que no actual quadro europeu – espaço comunitário onde vigora um sistema de moeda única num mais vasto espaço de integração económica – só será exequível a partir dessa estrutura.
Porém, enquanto esta for dirigida por políticos da índole de Durão Barroso, Van Rompuy e afins, bem poderemos continuar a ouvir os mesmos discursos e a sofrer as mesmas políticas[1] orientadas exclusivamente em prejuízo da vasta maioria das populações (entre as quais se inclui a crescente multidão de desempregados), que nem as mobilizações populares até agora realizadas conseguirão alterar uma vírgula.
As greves e manifestações já realizadas um pouco por toda a Europa (e pelo Mundo) só terão efeito real quando a estas forem associadas propostas concretas de mudança profunda no paradigma de desenvolvimento económico que a todos tem orientado. Limitar as reivindicações populares a mais emprego e melhores salários, sem denunciar que a clara origem da crise se situa no crescimento “ad nauseam” de um sector financeiro-especulativo totalmente desligado dos sectores produtivos da economia, nas distorcidas políticas de redistribuição de rendimentos e de imposição fiscal (entre os dois únicos factores produtivos nas economias, o capital e o trabalho), que tem lançado as Famílias e os Estados na dependência do endividamento (aumentando ainda mais os já desmesurados lucros do sector financeiro), além de pouco contribuir para a resolução do problema, continua a oferecer um argumento aos defensores do ultra-liberalismo, na figura da anarquia e da quebra da produtividade.
Assim, as movimentações populares, para aumentarem a sua eficácia terão que seleccionar correctamente os alvos e ser complementadas com ideias claras sobre as alternativas. Esta hipótese (ou o mais simples e prosaico pânico de que o poder possa “cair na rua”[2]) parece estar a ser equacionada pelos que nos governam ou talvez não tivesse surgido a mais recente necessidade nacional – o investimento de 5 milhões de euros em viaturas anti-motim[3] – no auge da medonha crise financeira que o governo de José Sócrates se propõe combater com as medidas hoje mesmo anunciadas de novos aumentos de impostos e de reduções salariais.
[1] Veja-se esta notícia onde o ECONÓMICO adianta que «Barroso revela hoje medidas polémicas de resposta à crise»
[2] Situação naturalmente equacionada quando se constata o número anormalmente elevado de detenções efectuadas e objecto até de títulos noticiosos como: « Greve geral já provocou meia centena de detenções» ou Milhares de pessoas protestam em Bruxelas contra austeridade na UE».
[3] Sobre esta questão leia-se esta notícia do I ou estoutra do PUBLICO,
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