domingo, 15 de novembro de 2009

UM FIASCO INTENCIONAL

«É preciso deixarmo-nos de falinhas mansas. No Médio Oriente não existe qualquer “processo” de negociação em curso. Também não existe nenhuma perspectiva de paz

Isto não foi escrito por nenhum empedernido opositor ao processo de paz na Palestina nem por qualquer membro do GOP[1] acérrimo opositor de toda e qualquer linha política seguida ou proposta por Barack Obama. O autor da frase não é sequer oriundo de qualquer um dos países árabes, nem professará (que seja do meu conhecimento) a religião muçulmana; é apenas o editor do mui respeitável e conservador jornal francês LE MONDE.

E este facto poderá ser a mais importante demonstração do total fracasso das políticas que americanos e europeus têm gizado e aplicado àquela região do globo e relativamente às quais o autor não deixa de assinalar as contradições entre Obama e a secretária de estado Hillary Clinton e a completa perda de credibilidade do primeiro, a intransigência do governo de Benjamin Netanyahu relativamente à questão fulcral da expansão dos colonatos, a fragilidade da linha moderada palestiniana (encabeçada pelo presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas) e as vantagens que isso tem trazido ao movimento mais radical do Hamas.

Continuando a sua exposição o autor afirma um pouco mais à frente que «[p]rosseguindo a colonização Netanyahu sabe que torna cada vez menos provável a criação de um estado palestiniano nas fronteiras de Israel», facto que até nem o parece incomodar demasiado, salvo pelo facto da resolução da questão palestiniana poder constitui uma boa forma de reduzir a tensão na região e minimizar a importância da questão nuclear iraniana.

Este editorial do LE MONDE (que poderá ser lido na íntegra aqui) constitui um excelente exemplo de como uma bem articulada análise de uma situação pode redundar em conclusões anódinas ou até mistificadoras.

O editorialista (que presumo seja Éric Fottorino, o director do LE MONDE) fornece em parágrafos curtos uma perspectiva actualizada da delicada situação na Palestina, mas por esquecer as questões fundamentais para os dois povos (árabes e judeus) extrai uma conclusão particularmente do agrado dos observadores exteriores – a situação está a redundar num fiasco e o impasse tende a manter-se – e que em última análise até preparará a opinião pública francesa (e ocidental) para a perpetuação do “status quo” e para a continuação de uma ocupação judaica cada vez mais orientada para a subjugação dos palestinianos.

A ideia de que o impasse na solução agora tão do agrado do governo israelita – dois povos, dois estados – apenas pode redundar num agravamento do conflito[2], tem vindo a ser progressivamente combatida por aqueles que defendem a constituição de um único estado que acolha os dois povos como solução viável e estável para a região, a exemplo do que aconteceu na África do Sul, país que antes também conheceu um feroz regime de “apartheid” o qual não resistiu a uma forte oposição internacional.

Ora precisamente o que tem faltado ao lado palestiniano é o que tem sobrado ao lado israelita – um apoio incondicional e quase sem limites dos grandes interesses ocidentais – a ponto deste se sentir no direito de agir com completa impunidade. Exemplo disto são o relatório Goldstone[3] e notícias como esta do LE TEMPS que denuncia a crescente influência dos extremistas religiosos judaicos no interior do exército israelita, traduzida na justificação religiosa do assassinato de palestinianos.
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[1] O GOP (Grand Old Party) é uma das formas pela qual é conhecido o Partido Republicano norte-americano.
[2] Shimon Peres, o presidente israelita, declarou à agência noticiosa alemã, DPA, que « [é] preverível uma paz imperfeita a uma guerra sem fim perfeita. Rejeitar a solução de dois estados não resultará na constituição de um estado. No seu lugar terá uma guerra e não um estado – uma guerra sangrenta e sem fim» (notícia e excerto tirados daqui).
[3] Sobre a questão do relatório elaborado sob os auspícios da ONU, ver o que escrevi no “post”:«UM DIA DIFERENTE».

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