terça-feira, 3 de novembro de 2009

REALPOLITIK[1]

Todos sabemos há muito que não raras vezes a razão de Estado se sobrepõe à Razão pura.

Mas talvez poucas vezes a expressão «há razões que a Razão desconhece» terá feito tanto sentido como no momento em que li a notícia da TSF anunciando que os «Estados Unidos felicitam Karzai por ”eleição histórica”», quando é conhecido o seu envolvimento (directo ou indirecto) na fraude eleitoral e no comércio do ópio e depois de na véspera e com pouca horas de intervalo, ter lido no PUBLICO que «Abdullah ameça boicotar eleições afegãs», para logo a seguir ficar a saber que «Abdullah não vai participar nas eleições afegãs».

As pressões ocidentais e a “realpolitik” poderão ter levado o candidato Abdullah Abdullah a abandonar a segunda volta de um processo eleitoral que os próprios observadores da ONU anteviam tão fraudulenta quanto a primeira o fora[2], mas daí a saudar o resultado como uma “eleição histórica” só por manifesta hipocrisia, pois não servirá nem como subterfúgio para escamotear o atoleiro político-militar em que a região se está a transformar[3].

Nem no mais recôndito canto do Afeganistão alguém atribuirá o mínimo crédito a declarações daquele jaez, pelo que a pergunta sobre quem procurará a administração Obama enganar? carece de ser formulada.

Haverá alguém tão distraído ou tão tendencioso que atribua um mínimo de valor a uma afirmação só comparável à daqueles que afirmam que o Estado de Israel é a luz da Democracia no Médio Oriente!

Mesmo que se queira respeitar a opinião das pessoas, há afirmações cuja gravidade e total ausência de probidade ultrapassa em muito o que se possa admitir como opinião aceitável e, pior, constituem mais uma oportunidade para o descrédito de quem as emite do que como manifestação dessa tal “realpolitik” em cujo nome terão sido proferidas.

O tempo acabará por demonstrar os efeitos que mais este incidente terá no desenrolar da acção da NATO no Afeganistão, mesmo que para já continuem apenas a suceder-se os sangrentos atentados a que temos assistido e de que as populações civis acabam a ser os principais atingidos, e se não terá acabado por destruir a já insignificante credibilidade que os responsáveis por aquela acção militar persistem em se atribuir.
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[1] Expressão de origem alemã (resulta da junção do termo real (no sentido de "prático" ou "actual") e Politik ("política"); refere-se a um tipo de políticas ou práticas diplomáticas baseadas principalmente em considerações práticas e em detrimento de noções ideológicas. O termo teve origem na política alemã seguida no tempo de Metternich (diplomata e estadista conservador que ao serviço dos Habsburg foi o grande responsável pela reorganização política da Europa no período pós-napoleónico) e conheceu novo fulgor com a chegada de Henry Kissinger à administração de Richard Nixon e a situação que os EUA viviam com a Guerra do Vietname.
[2] A título de confirmação vejam-se estas notícias do DIÁRIO DIGITAL, do CORREIO DA MANHÃ e da agência AFP.
[3] Exemplos disso são as notícias que dão conta do acréscimo do número de baixas (como esta do JORNAL DE NOTÍCIAS) ou as que informam sobre mudanças de estratégia e de reforços de tropas (como esta do PUBLICO ou esta do DIÁRIO DE NOTÍCIAS).

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