domingo, 22 de março de 2009

TENHAM FÉ... MAS PREPAREM-SE PARA O PIOR

A recente polémica aberta em torno do destino dos fundos públicos que têm estado a ser injectados no sector financeiro norte-americano (não se fala no caso europeu porque, infelizmente, um nível de transparência idêntico ainda cá não chegou) e a releitura de uma crónica do final do mês de Fevereiro de Perez Metelo - «SALTO DE FÉ... SEM COMENTÁRIOS» - na qual, a propósito da política americana dos “estímulos”, este escrevia: «Por mais que nos custe reconhecê-lo, não vão ser os sectores não-financeiros da economia a tirar-nos da crise, terão de ser os bancos a fazê-lo. Por uma razão elementar: é que a actividade de crédito da banca recobre o conjunto da economia, fornece o elemento essencial que transforma confiança numa boa ideia de negócio em actividade produtiva material.», levam-me hoje a propor-vos uma rápida reflexão sobre o transcendental papel do sector financeiro nas economias modernas.

Mesmo sem querer remontar às origens das primeiras operações bancárias – as notas de crédito que durante a Idade Média e os alvores da burguesia mercantil ajudaram a aumentar a circulação monetária entre estados e a evitar os riscos aos viajantes de bolsos recheados – nem tão pouco á criação, em 1694, do primeiro banco central – o Banco de Inglaterra – e à aplicação do princípio da reserva fraccionária (o sistema que permite aos bancos emprestarem parte dos valores depositados à sua guarda), sempre vou recordando que remontarão aos tempos da aprovação do Federal Reserve Act (a lei do Congresso norte-americano, aprovada em 1913), da criação do FED e da cedência do poder de criação de moeda à iniciativa privada.

Como já referi noutras ocasiões[1], a questão fulcral em qualquer economia prende-se com a criação da moeda e em especial com o facto desse poder discricionário ter sido “delegado” num sistema financeiro exclusivamente controlado pela iniciativa privada. Destarte, a moeda (seja na sua forma impressa ou meramente escritural) perdeu o papel de equivalente geral (meio para assegurar a medida da riqueza de uma nação) e de meio universal de pagamento para passar a assegurar o sobre enriquecimento das empresas que passaram a controlar a sua emissão – os bancos.

A concentração daquele poder discricionário (e totalmente desligado da realidade e das necessidades das economias) e o subterfúgio operativo que transformou a taxa de reserva[2] no multiplicador de crédito[3] colocaram ao alcance de uns quantos eleitos o poder de multiplicar exponencialmente os ganhos. Para se entender este efeito veja-se a diferença nos volumes de moeda criada (e de juros cobrados) num e noutro caso:


e compreenda-se porque é que o sector financeiro não quer de modo algum perder semelhante poder.

Actualmente, e no respeito pelas normas constantes do Acordo de Basileia, os bancos passaram a usar como medida da sua “saúde financeira” um indicador designado por TIER 1 que mais não é que uma relação entre o capital próprio do banco e os seus activos ponderados pelo risco (principalmente pelo risco de crédito) e que sendo habitualmente fixado nos 8% proporciona um efeito de multiplicador do crédito da ordem dos 12,5.

Que outra actividade económica legal permitirá obter taxas de retorno de 995%?

Perante um cenário desta natureza quem, honestamente, pode estranhar que os “senhores” da alta finança se comportem como os donos do Mundo e sintam que não têm que prestar contas a ninguém?

Bem poderão os Obamas da actualidade pretender a imposição de regras mais transparentes, ou os Sarkozys e os Browns dizerem que querem impor novas regras para os mercados financeiros, que enquanto vigorar o actual sistema de reserva fraccionária e for permitido aos bancos comerciais a criação de moeda a seu bel-prazer e para exclusiva satisfação dos seus interesses pouco ou nada irá mudar. Disso se encarregam os Bernankes e os Trichets de um e do outro lado do Atlântico.

Sintoma disso mesmo é a forma como Perez Metelo conclui o seu artigo. Conhecedor destes meandros, mas sem vontade ou interesse em os desmascarar, diz terminando de forma quase anódina: «Obama pediu aos seus concidadãos um salto de fé: acreditem que o dinheiro para a banca vai irrigar a economia real, com resultados rápidos. Veremos...»

Acreditem e rezem... e, pelo sim pelo não, mesmo correndo o risco do anátema ou da excomunhão, usem o preservativo! É que a prosseguir nesta via a economia mundial vai continuar profundamente infectada e pronta a gerar a próxima crise...
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[1] A título de exemplo vejam-se os “posts”: «A EMBRIAGUÊS FINANCEIRA» e «A QUEDA DE UM ÍDOLO».
[2] A taxa de reserva é o valor fixado pelos bancos centrais como mínimo obrigatório para a constituição de reservas sobre os montantes depositados nos bancos. Actualmente o valor estabelecido mais corrente é de 10%, o que significa na prática que por caca 10 unidades monetárias, depositadas num banco comercial, este terá que depositar 1 u.m. no banco central.
[3] Matematicamente definido como o inverso da taxa de reserva, o multiplicador de crédito traduz a capacidade concedida aos bancos para aumentar o volume de crédito concedido. Em termos práticos, partindo de uma taxa de reservas de 10%, o conceito do multiplicador permite ao banco comercial emprestar 10 u.m. por cada unidade depositada no banco central sob a forma de reservas; isto não só permite ampliar muito mais o volume de crédito a conceder como, obviamente, os lucros registarão um crescimento exponencial.

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