Quando ainda se mantém em aberto o debate sobre a estratégia a seguir, eis que aquele que é apontado como o “profeta” que primeiro alertou para o rebentamento da bolha especulativa, vem a público defender a nacionalização do sector financeiro como única alternativa viável para uma rápida solução dos problemas que as notícias diárias nos fazem chegar sob a forma de falências de empresas, de despedimentos de trabalhadores, da quebra na procura nos mais variados sectores da actividade económica e nas constantes necessidades de mais e mais fundos públicos para colmatar os “buracos” existentes num sector financeiro cuja “embriaguez” parece incurável.
Usando as suas próprias palavras, «...a nacionalização pode ser, paradoxalmente, uma solução mais favorável para os mercados: eliminará os accionistas ordinários e preferenciais das instituições claramente insolventes e possivelmente os credores sem garantias se a insolvência for de larga escala, ao mesmo tempo que representará uma carga menor para os contribuintes. Pode também resolver o problema da gestão dos activos tóxicos dos bancos, através da revenda da maioria dos activos e depósitos - com garantia estatal - a novos accionistas privados depois de um saneamento dos activos tóxicos...», conclui-se que tudo o que pretende é ver resolvida a crise de insolvência em que alguns bancos já se encontrarão, enquanto os restantes para lá caminham.
Quem receie que o insigne professor e antigo especialista do FMI e do Banco Mundial (além de conselheiro económico do ex-presidente Bill Clinton) se tenha convertido num “perigoso” adversário do liberalismo económico, bastará ler uma sua entrevista publicada no LE MONDE onde se proclama defensor de uma nacionalização temporária dos bancos, para que se tranquilize. Aliás a tese de Roubini mais não faz que retomar o que outros já defenderam de forma expressa, como Alan Greenspan (o antigo presidente do FED) e Paul Krugman[2], ou mesmo de forma indirecta como o fez Ben Bernanke (o actual presidente do FED) durante a reunião de uma Comissão do Senado norte-americano que teve lugar do final de Fevereiro, na qual deixou o aviso de que a recessão se poderá prolongar por 2010, caso o governo americano não adopte as medidas adequadas, entre as quais se conta o restabelecimento da estabilidade do sistema financeiro[3].
Enquanto isto, os governos continuam (ainda e sempre) a injectar dinheiros públicos nas empresas do sector financeiro, como o atesta a notícia do DIÁRIO ECONÓMICO que dá conta que a «seguradora AIG vai receber terceiro pacote de salvamento», mas os efeitos de falta de liquidez e de confiança persistem. Embora o presidente Obama se desdobre em esforços para a aprovação de mais planos de salvamento e no mais recente discurso perante o Congresso tenha procurado deixar sinais de esperança, a realidade (que não escondeu) continua a ser francamente pessimista.
E porquê?
Serão as medidas já implementadas e as propostas totalmente desadequadas? Pecarão estas por excesso, como pretendem alguns dos mais convictos defensores das falidas teses liberais, ou pelo contrário a sua eficácia tem estado limitada pela respectiva tibieza?
Não será totalmente desajustado defender a nacionalização de empresas do sector financeiro, para proceder ao respectivo saneamento e posterior revenda à iniciativa privada, nos termos propostos por Roubini, mas apenas estupidamente caro para os contribuintes[4] e quase seguramente ineficaz, pois o verdadeiro problema das economias mundiais e dos sectores financeiros encontra-se na génese da sua própria actividade.
Razões de natureza política poderão justificar a intervenção (nacionalização) nas empresas relevantes para as economias, seja pelo seu papel activo no financiamento da actividade empresarial seja pela sua importância enquanto produtoras de bens e serviços essenciais ou geradoras de emprego, mas a efectiva normalização dos circuitos financeiros só será alcançável se, e quando, os estados recuperarem o efectivo controlo sobre a criação da moeda. Injectar biliões de unidades monetárias, oriundas dos impostos dos cidadãos, para manter em funcionamento sectores de actividade que persistem em manter práticas abusivas e lesivas do interesse daqueles que os financiam não é apenas irracional, no ponto de vista económico e dentro do contexto das chamadas economias de mercado, como criminoso do ponto de vista social e ético.
Mas é precisamente isto a que temos assistido (e que tudo o indica iremos continuar a assistir), a menos que os decisores políticos sejam levados a entender a necessidade de responder aos anseios da maioria dos contribuintes e a agir em sua defesa e na da vertente realmente produtiva da economia, o que apenas será possível se à nacionalização da banca e seguradoras se acrescentar a extinção do monopólio bancário da criação de moeda.
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[1] Essa foi a questão mais destacada pelo EXPRESSO e que, inclusivamente, deu o título à notícia «UE chega a acordo sobre plano para "activos tóxicos" bancários».
[2] Já no “post” «NOVA ARQUITECTURA FINANCEIRA» tinha referido esta posição de Paul Krugman e também o endereço do artigo do NEW YORK TIMES onde a apresentou.
[3] Ver a notícia da BBC NEWS sobre o assunto.
[4] Note-se que a expressão ”contribuintes” deve ser entendida no sentido mais lato possível, pois o ónus das medidas sentir-se-á com maior acuidade nas próximas gerações devido aos enormes montantes envolvidos e ao facto destes estarem sujeitos ao pagamento de juros que se estenderão por décadas.
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