terça-feira, 17 de março de 2009

A “CAÇA ÀS BRUXAS” E A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

Na sua edição do passado dia 12 a TRIBUNE DE GENÈVE publicava, sob o título «Um internauta anti-semita preso» a seguinte notícia:

«Um “blogger” de Genebra, na casa dos cinquenta anos, apodrece na prisão há uma semana. É acusado de ter escrito artigos anti-semitas no seu “site” da Internet. O CICAD (Coordenação Intercomunitária Contra o Anti-semitismo e a Difamação)[1] apresentou uma queixa. O “site” continua activo, mas os temas anti-semitas já não estão disponíveis. Foi preciso, da parte do CICAD, um pedido de medidas cautelares para que o fornecedor do acesso acabasse por bloquear as respectivas ligações.

‘Este caso mostra que a Internet é o principal vector de anti-semitismo’, afirmou o presidente do CICAD. O advogado do acusado interroga-se porque é que o seu cliente, na prisão há oito dias, ‘é tratado como um pedófilo’» [2]

O empedernido anti-semita, objecto da notícia, não é outro senão Frank Brunner o editor da página INTÉRÊT GÉNÉRAL que já foi libertado na sequência da decisão do magistrado que não reconheceu como provadas muitas das alegações contra ele apresentadas. Os artigos objecto da queixa do CICAD já têm o acesso barrado e foram maioritariamente escritos entre 3 e 21 de Janeiro deste ano, no aceso da invasão israelita da Faixa de Gaza; baseados em despachos de várias agência informativas, neles são relatados inúmeros atropelos às leis internacionais e aos princípios de defesa dos direitos humanos, tais como os bombardeamentos indiscriminados das áreas densamente habitadas daquele território palestiniano, a transformação em alvos das ambulâncias que tentavam prestar socorro aos feridos, o massacre de famílias inteiras, etc., etc.

Frank Brunner já se encontra em liberdade – o tribunal a que foi presente ilibou-o das acusações mais graves, retendo apenas a de “discriminação racial”, e que a gravidade das ideias difundidas não justificavam o prolongamento da detenção –, um breve resumo das suas “aventuras” pode ser lido
aqui e a página que edita já está de novo a disponibilizar informação e comentários aos internautas interessados.

De toda esta história importa talvez reter dois ou três importantes ensinamentos: agora, como noutros tempos históricos, haverá sempre quem defenda o método da “caça às bruxas” como recurso para silenciar os que pensem de forma diferente (pior ainda se exprimirem de forma pública as suas opiniões); na ausência de verdadeiros argumentos e quando a realidade dos factos não permite mais o recurso a manobras de mera desinformação ou de contra-informação, recorre-se a todos os meios disponíveis.

Diabolizam-se os opositores (tanto mais se estes forem vozes incómodas)[3]; vilipendia-se um meio de comunicação e difusor de informação por excelência, como a Internet, enquanto se escamoteia que o governo israelita mantém activo um núcleo de internautas pró-sionistas pronto a actuar contra qualquer “blog” que se revele particularmente crítico[4].

Depois ainda há quem se espante de afirmações que assinalam o extremo cinismo de Israel – como algumas das produzidas por Frank Brunner – quando os organismos sionistas (e o próprio governo que os financia) clamam por justiça contra as “calúnias” de que é alvo mas utiliza “agentes provocadores” para rebater as críticas de que se afirma alvo.

Por muito que custe, haverá ainda quem possa criticar quem publica imagens como esta?
recolhida durante uma manifestação na Cisjordânia contra a demolição de casas pelo exército israelita e onde se pode ler no cartaz em primeiro plano:

VOCÊS
apoderaram-se da MINHA água
queimaram as MINHAS oliveiras
destruíram a MINHA casa
apoderaram-se do MEU trabalho
roubaram as MINHAS terras
prenderam o MEU pai
mataram a MINHA mãe
bombardearam o MEU país
matam-NOS à fome
humilham-NOS
mas
a culpa é minha:
reagi com uma pedrada

Por muito que custe ao governo de Israel e às comunidades judaicas espalhadas pelo Mundo, recordar e defender o direito Palestiniano à resistência não pode ser apodado (pelo menos pelos estados que se autoproclamam de democráticos e defensores do direito da liberdade de expressão e de pensamento) de prática anti-semita, porque condenar as formas de racismo e de opressão intrínsecas à doutrina sionista não é o mesmo que defender a eliminação dos judeus. A propositada confusão entre os dois termos (anti-semitismo e anti-sionismo) tem sido uma prática deliberada e recorrente do próprio sionismo, talvez ciente da injustiça e cinismo das suas teses, e cada vez mais transformada em chavão quando até no seio da própria comunidade judaica se erguem vozes que questionam a lógica intrínseca do sionismo[5].

Não se pense, infelizmente, que esta irreprimível tentação para a censura se resume aos sionistas ou ao Estado de Israel, pois, em especial após o 11 de Setembro e a difusão da paranóia securitária instrumentalizada pelos “neocons” americanos, têm-se repetido os casos de aprovação de legislação visando o controlo de meios de difusão de informação como a Internet, em países que se dizem defensores da liberdade de expressão[6].

Por isso, seja sob o pretexto da luta anti-terrorista seja por imperiosa necessidade de proteger e branquear políticas anti-humanitárias, não faltarão interesses a tudo dispostos para silenciar quem for tentando remar contra a maré de acomodados bem pensantes.
_________
[1] O CICAD é uma associação de direito suíço que tem por objectivo lutar contra todas as formas de anti-semitismo na Suíça francesa. Outras informações podem ser consultadas neste endereço: http://www.cicad.ch/index.php?id=3
[2] O texto traduzido foi extraído do sumário das notícias em arquivo, na página do TRIBUNE DE GENÈVE ; o artigo na íntegra pode ser lido no endereço cujo “link” está associado ao seu título.
[3] Em Agosto de 2007 escrevi o “post” «ANTI-SEMITISMO E ANTI-SIONISMO» cuja leitura talvez se volte a justificar.
[4] A própria imprensa israelita não fez qualquer segredo desta matéria, como se pode confirmar por esta notícia do YNET NEWS.
[5] Recordo, a propósito, a introdução de um artigo de Avraham Burg, publicado em 2003 pelo GUARDIAN, sob o título «THE END OF ZIONISM», onde este afirmava: «Israel tem que abandonar as suas ilusões e escolher entre a opressão racista e a democracia». Este artigo e as posições de outros pensadores judeus foi objecto de análise no “post” «ANTI-SEMITISMO E ANTI-SIONISMO» já referido na nota 3.
[6] No auge do segundo mandato de George W Bush foi tentada a aprovação pelo Senado norte-americano de uma lei que obrigava ao registo de todos os “bloggers”, à semelhança da prática seguida para os “lobbys”, cujo grande defensor foi, nem mais nem menos que John McCain, o ex-candidato do Partido Republicano (ver notícia aqui). Também na Europa, a mui liberal Suécia, pretende “vigiar” a correspondência electrónica dos seus cidadãos (ver notícia aqui).

Sem comentários: